Os hinos mais poderosos do rock e as histórias em torno deles costumam ser continuamente repetidos. Às vezes, seu poder se desvanece com o passar do tempo.
Mas, desde a sua formação, em 1968, a banda Led Zeppelin manteve seu status lendário e até mitológico.
O quarteto britânico era composto pelo visionário guitarrista e produtor Jimmy Page; pelo vaidoso e extravagante vocalista Robert Plant; e pelo ritmo ao mesmo tempo poético e eletrizante do baixista John Paul Jones e do baterista John Bonham (1948-1980).
A banda continua sendo instantaneamente reconhecida e influente em todo o mundo, apesar da sua imprevisibilidade.
O catálogo multimilionário do Led Zeppelin inclui blues, rock pesado, fábulas folclóricas, ritmos africanos, asiáticos e latinos, canções machistas bombásticas e toques avant-garde.
Eles ficaram famosos pelo excesso de escândalos, mas a maioria deles não chegou à imprensa. E, agora, "Becoming Led Zeppelin", seu primeiro documentário oficialmente autorizado, promete registrar a "história não contada" da banda para a posteridade.
O tão aguardado lançamento do filme nos cinemas segue uma exibição com a produção em andamento no Festival de Cinema de Veneza, na Itália, de 2021.
"Becoming Led Zeppelin" também resulta em uma progressão natural do trabalho dos cineastas Bernard MacMahon e Allison McGourty. Eles produziram a premiada série de documentários "American Epic" (2017), que apresentou a história e o impacto das primeiras gravações de música raiz dos Estados Unidos.
"Quisemos fazer um filme sobre a era seguinte", conta MacMahon à BBC.
"Em vez de examinar 100 atuações, como fizemos com 'American Epic', observamos se havia algum ponto que levasse aquela música do mundo pós-Segunda Guerra Mundial até os anos 1960 e 1970 –e que fosse a personificação daquela etapa final da música do século 20. E concluímos que era o Zeppelin."
Trazer os membros sobreviventes do Led Zeppelin para o projeto envolveu uma apresentação meticulosamente sintonizada.
Mas houve um fator fundamental: Page, Plant e Jones são fãs do trabalho anterior de MacMahon e McGourty. Afinal, 'American Epic' documentou os heróis musicais dos componentes da banda.
"'Becoming Led Zeppelin' não teria sido possível sem 'American Epic'", reconhece MacMahon. Ainda assim, Plant alertou os cineastas.
"Não acho que este filme possa ser feito, pois não nos apresentamos na TV e Peter Grant [o formidável gerente do Led Zeppelin, 1935-1995] expulsava os membros da plateia que levassem câmeras para as apresentações, rasgava seus filmes fotográficos e destruía suas máquinas", explicou ele. "Por isso, não existem filmagens dos nossos shows naqueles anos."
De fato, "Becoming Led Zeppelin" apresenta duas horas de material de arquivo cuidadosamente pesquisado, fotos particulares e apresentações filmadas.
Nelas, Page aparece em idade escolar tocando em uma banda com estilo skiffle (um tipo de música folk com influência de jazz e blues) e o adolescente Jones toca órgão na igreja. Ambos se tornariam músicos contratados bem sucedidos, em gravações de sucessos do pop dos anos 1960.
Ao lado das imagens de arquivo, o filme inclui novas entrevistas de Page, Plant e Jones.
A morte de Bonham em 1980 (causada por aspiração pulmonar devido ao abuso de álcool) levou ao término da banda. Mas ele está surpreendentemente presente no documentário e parece jovial e realista, em uma gravação de áudio até então inédita.
Quando criança, MacMahon "descobriu" o Led Zeppelin em um livro que acompanhava a ascensão da banda para a fama.
"Parecia como as histórias de 'American Epic', há muita identificação neste ponto: quatro garotos, em busca do seu sonho, tentando encontrar seu caminho na indústria musical", brinca ele. "Achei uma história maravilhosa, quase um conto do rei Artur."
Este espírito fantástico está representado no filme, quando Page compara sua guitarra à espada mitológica Excalibur.
Música como força reveladora
A "história não contada" é guiada pelos casos pitorescos dos membros da banda. Mas eles não são exatamente as pessoas mais fáceis de se entrevistar.
Esta percepção talvez se baseie na minha própria e surreal experiência. Entrevistei Page e Plant quando ainda era um jovem jornalista inexperiente. Eles se esquivavam cuidadosamente das perguntas, enquanto me serviam xícaras de chá.
Mas, em última análise, o que realmente fala alto é a música. "Becoming Led Zeppelin" presta tributo à música como força reveladora, tanto para os fãs quanto para os músicos.
O octogenário Page fica de olhos arregalados quando conta sobre a primeira vez em que ouviu R&B e soul americano. "Parecia que estava vindo de Marte, embora a origem fosse Memphis", segundo ele.
O apetite e a determinação dos artistas são perceptíveis. Podemos ver Plant mudar de forma e alternar diversas aparências, desde o modo romântico "flower power" até assumir sua forma ágil e inconfundível de "divindade do rock", no Led Zeppelin.
Também podemos assistir à banda tocar de cor, comandando os fãs nos shows e pelo rádio nos Estados Unidos, até a sua triunfante apresentação "de volta para casa", em 1970, no Royal Albert Hall, em Londres.
"Usamos muitas técnicas cinemáticas para fazer o espectador voltar no tempo", conta McGourty. "E usamos as letras das músicas para fazer o tempo avançar."
"Quando eles vão para a [gravadora] Atlantic Records, ouvimos 'Your Time Is Gonna Come' ['Sua hora vai chegar']; quando Robert [Plant] fala em voar pela América, ouvimos 'Ramble On' ['Perambular']; e, quando mostramos os primeiros shows na Europa e, na verdade, ninguém está entendendo, eles estão tocando 'Communication Breakdown' ['Pane na comunicação']."
O filme inclui uma brilhante filmagem antiga de um programa de TV francês chamado "Tous en Scène" ("Todos em Cena", em tradução livre).
Nele, o Led Zeppelin toca de forma desenfreada frente a um público de estúdio, claramente perplexo. É possível ver adultos empertigados e crianças com os dedos nos ouvidos.
Em outro ponto, ouvimos o início de uma das suas faixas mais famosas, "Whole Lotta Love" (1969), que é furiosamente contagiante, apesar da aversão de Page ao pop. E podemos ver extensos clipes de apresentações, incluindo o Festival de Bath, no Reino Unido, em 1970. Todas elas são incandescentes, elétricas e chamativamente coloridas.
Com isso, temos no filme um pouco da atmosfera inebriante que chegaria a levar o próprio romancista cult americano William Burroughs (1914-1997) a comparar uma apresentação da banda nos Estados Unidos, em 1975, com "a música trance encontrada no Marrocos, com origem e propósito mágicos –ou seja, preocupada com a evocação e controle das forças espirituais".
Para MacMahon, "se você fizer um filme sobre música, ela é a personagem principal e os espectadores, especialmente daqui a 100 anos, precisam ouvir por si próprios que música é aquela."
O compositor musical Phil Alexander é também produtor, radialista e editor colaborador da revista Mojo. Ele trabalhou de perto com Page, Plant e Jones e destaca por que a "energia cinética" do Led Zeppelin permanece vital até hoje.
"[Os componentes do] Led Zeppelin não são melhores amigos. Isso realmente fica óbvio no filme", contou ele à BBC.
"Sua camaradagem vem de ficarem no palco e tocarem juntos. Essa musicalidade pura é o que os conduz como pessoas –e o que eles criaram como quarteto é impossível de ser copiado."
"Se qualquer pessoa, de qualquer geração, ouvir aquela banda –especialmente agora, quando é possível descobri-los clicando um botão– irá cair em um mundo que não se parece nem soa como nenhuma outra coisa", explica ele.
"Acho que a maioria das bandas da geração deles soa como sendo de uma mesma época. Com o Led Zeppelin, existe um aspecto contemporâneo na forma como eles são, musicalmente falando."
"Não sei quantas vezes já ouvi todos os seus álbuns e ainda encontro coisas que me fazem pensar: eu já ouvi isso antes?", conclui Alexander.
"Becoming Led Zeppelin" apresenta de forma vívida a história original da banda "em cada momento". Os eventos são apresentados de forma cronológica, sem ter a visão desfocada pela nostalgia, nem antecipando o que está por vir.
A história "não contada" também é inegavelmente incompleta. O filme termina depois do lançamento do segundo álbum da banda, quando eles já tinham escalado os degraus da fama, mas antes que tudo desabasse em um hedonismo destrutivo.
Plant menciona rapidamente "mulheres e drogas", mas o relato parece incomumente saudável.
É um contraste gritante com as reportagens dos tabloides sobre o desregramento do grupo –especialmente da biografia assustadoramente obscena da banda, escrita pelo jornalista musical Stephen Davis, intitulada "Hammer of the Gods" ("Martelo dos deuses", em tradução livre). Os próprios membros da banda se dissociaram repetidas vezes do livro.
Parece uma decisão bastante intencional. Afinal, da mesma forma que "American Epic" foi incluída nos currículos educativos nos Estados Unidos, "Becoming Led Zeppelin" é indicado para todas as idades. A banda preserva não apenas seu legado, mas permanece dona da sua narrativa.
"Apesar de tudo o que você leu sobre os anos 1970, você não chega àquele ponto sem ficar incrivelmente centrado", segundo MacMahon. "O maior propósito deste filme é dizer aos jovens: se você tiver uma paixão, trabalhar muito com ela e perseverar, você poderá atingir estes sonhos."
"Você meio que absorve essas lições enquanto acompanha a jornada deles. Eles são os únicos que viram e sabiam o que estava acontecendo."
"Becoming Led Zeppelin" estreia nos cinemas brasileiros em 27 de fevereiro.