Bancos ficam na mão com divergência de juros entre Brasil, EUA e Europa

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Dos Estados Unidos à Europa e Austrália, os bancos estão se preparando para uma queda em sua principal fonte de receita à medida que as taxas de juros começam a cair. Já no Brasil, são os aumentos das taxas que podem quebrar o ímpeto do setor.

O Banco Central anunciou no mês passado seu primeiro aumento da taxa Selic em dois anos, no mesmo dia em que o Fed (banco central americano) fez seu primeiro corte desde 2020. Custos de empréstimos mais altos na maior economia da América Latina podem desestabilizar o recente crescimento na receita de empréstimos —conhecida na indústria como receita líquida de juros— que tem sido uma das melhores do mundo.

"Tenho uma opinião um pouco contraintuitiva —que uma taxa de juros mais baixa é melhor para os bancos do que uma mais alta", diz Thiago Batista, analista do UBS BB Investment Bank. "Como agora estamos tendo um aumento na Selic, isso pode ser ruim para a receita líquida de juros dos bancos."

Esse resultado definitivamente não é a expectativa nos EUA, onde o Fed reduziu sua taxa de referência. O movimento —ou o tamanho dele— era amplamente esperado, assim como vários outros cortes, e executivos do setor têm tentado há meses moderar as expectativas para a receita líquida de juros como resultado.

Jamie Dimon, por exemplo, disse que a bonança que alimentou a receita líquida de juros recorde nos quatro maiores credores dos EUA no ano passado não pode durar para sempre, alertando os acionistas do JPMorgan Chase que o banco que ele lidera tem "ganhado demais".

É uma história diferente no Brasil, onde taxas de juros mais altas significarão custos de financiamento maiores para os bancos, diz Batista, já que suas responsabilidades em moeda local geralmente carregam taxas flutuantes. E os credores só poderiam repassar esses custos aos clientes à medida que as carteiras de crédito se renovassem, com cerca de metade dos empréstimos dos bancos carregando taxas de juros fixas.

O resultado? Receita líquida de juros mais baixa no curto prazo, de acordo com Batista, embora o impacto nos lucros provavelmente seja marginal.

Taxas de juros em níveis mais altos por um período mais longo do que o esperado anteriormente também devem pressionar os tomadores de empréstimos no Brasil, enfraquecendo a qualidade dos ativos dos bancos e forçando-os a manter altas provisões para perdas com empréstimos, afirmou a S&P em um relatório no mês passado.

As taxas de inadimplência atingiram 3,2% em julho, abaixo dos 3,5% em julho de 2023, e isso encorajou os bancos a aumentar suas carteiras de empréstimos a um ritmo mais rápido este ano. A S&P espera que as taxas de inadimplência subam novamente para 3,5% das carteiras totais ou aumentem para 4% até o final deste ano.

"Embora ainda esperemos que os lucros dos bancos se beneficiem de altas taxas de juros devido a margens fortes, as perdas de crédito podem aumentar", disse a S&P.

Mais empréstimos ajudaram os quatro maiores bancos —Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander— a aumentar sua receita líquida de juros combinada em 7,7% no primeiro semestre de 2024 em relação ao mesmo período do ano passado. As empresas também estavam lentamente assumindo categorias de empréstimos mais arriscadas e mais lucrativas, como cartões de crédito e empréstimos ao consumidor.

Folha Mercado

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A maior receita líquida de juros foi uma das razões pelas quais o Itaú registrou lucro recorde no segundo trimestre, já que o crescimento econômico mais forte do que o esperado no Brasil aumentou a demanda por crédito.

Mas a probabilidade de uma repetição está diminuindo diante de mais aumentos de taxas pelo BC.

"A princípio, haveria um impacto negativo para todos os bancos, como aconteceu em 2021, quando o governo começou a aumentar a Selic", diz Carlos Daltozo, chefe de pesquisa de ações da Eleven Financial Research. "Mas então eles seriam capazes de reajustar suas carteiras de crédito."

Em média, os bancos no Brasil levam cerca de 18 meses para renovar seus livros de empréstimos, de acordo com Matheus Guimarães, analista da XP.

"Todos estão prestando atenção a esse cenário de aumento das taxas de juros, porque isso poderia eventualmente afetar o apetite dos bancos para oferecer algumas linhas de crédito, especialmente para clientes de baixa renda", diz. "No momento, não vemos isso, não vemos os bancos considerando reduzir os limites de crédito para os clientes, pelo menos em seus discursos."

Como o ritmo dos aumentos da Selic deve ser mais moderado do que durante o ciclo de aperto de 2021, o impacto nas margens líquidas de juros deve ser mais suave, afirma Guimarães, inclusive para os bancos mais afetados da última vez, como Bradesco e Santander.

Em 2021, o BC elevou a taxa Selic para 13,75% de 2% em apenas 17 meses. Desta vez, as expectativas são de que a taxa não suba mais do que 12,5% de 10,5% no início do ciclo de aperto atual.

Também trabalhando para aliviar a dor desta vez estão as lições aprendidas com ciclos passados. Os maiores bancos brasileiros agora geralmente fazem hedge de exposições a taxas de juros flutuantes, pelo menos em parte de suas responsabilidades, de acordo com Bernardo Guttmann, chefe de pesquisa do setor bancário da XP.

"À medida que as taxas de inadimplência continuam nessa trajetória descendente, que é o que estamos vendo, começamos a observar uma mudança importante no apetite de risco dos bancos", afirma Guttmann. "Eles estão retornando muito seletivamente a linhas de crédito com um perfil de risco mais alto."

Ele diz que os bancos estão sendo cuidadosos para não retornar a setores que perderam dinheiro no passado, mas estão aumentando as originações de cartões de crédito.

"Essa combinação de linhas de crédito com spreads maiores e o crescimento da carteira de crédito tende a aumentar a receita líquida de juros, e esse é um movimento que, em nossa visão, deve continuar", diz.

Felipe Prince, vice-presidente de controles internos e gestão de riscos do Banco do Brasil, afirma que não vê a demanda por crédito esfriando, nem uma redução nas concessões, "mas os bancos se tornarão mais seletivos."

Ele diz que olha com "ceticismo" para a ideia de avançar demais em empréstimos para micro e pequenas empresas, porque o segmento "merece cautela" no momento. "Todos os bancos estão melhorando seus modelos de risco e a luta pelos melhores clientes se tornará mais acirrada."

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