Auxiliar de Moraes sugeriu estratégia para evitar uso “descarado” do TSE, diz jornal

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Principal auxiliar do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz instrutor Airton Vieira deixou claro, em aúdios obtidos pelo jornal Folha de S.Paulo, que estava preocupado com a forma de atuação do gabinete do magistrado junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no âmbito de investigações relacionadas ao inquérito das “fake news” durante e depois da campanha eleitoral de 2022.

De acordo com novas reportagens publicadas pela Folha, Vieira teria proposto uma estratégia para que, se detalhes a respeito do rito das investigações viessem à tona, não houvesse possibilidade de a atuação de Moraes e do STF ser contestada.

Desde a noite de terça-feira (13), a Folha de S.Paulo vem publicando reportagens que mostram que Moraes teria usado o setor de combate à desinformação do TSE, à época presidido pelo magistrado, para produzir relatórios que embasassem decisões contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O jornal teve acesso a mais de 6 gigabytes de arquivos e diálogos por mensagens, trocadas de forma não oficial, que revelariam um fluxo fora do rito tradicional envolvendo os dois tribunais, com o órgão vinculado ao TSE sendo usado para abastecer o inquérito das “fake news” em assuntos relacionados ou não ao pleito de 2 anos atrás.

“Vai ficar uma coisa muito descarada”

Em mensagens enviadas no dia 10 de outubro de 2022, na reta final das eleições no país, Airton Vieira se dirige a Eduardo Tagliaferro, perito forense e então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE.

“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] para alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato”, diz o auxiliar de Moraes.
Na conversa com Tagliaferro, Vieira menciona a necessidade de se passar a dizer que o pedido de produção do relatório tinha como origem o TSE, e não o gabinete do ministro do STF.

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O auxiliar de Moraes, àquela altura, já havia feito alguns pedidos a Tagliaferro – que foram atendidos –, como a produção de relatórios nos quais constavam o timbre do STF. Ele encaminha, então, uma mensagem solicitando um relatório pedido dias antes.

Em resposta, Tagliaferro envia um relatório sobre um vídeo publicado por um grupo denominado “Brasil Conservador”, que colocava em dúvida a integridade das urnas eletrônicas e do processo eleitoral no país.

O documento tem como timbre a identificação “Supremo Tribunal Federal”, acompanhada da seguinte descrição: “Relatório Técnico 10/10/2022”. “Por favor, veja se está ok”, pede Tagliaferro.

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Na resposta ao assessor do TSE, encaminhada em dois áudios, Vieira solicita a mudança da autoria do documento, para esconder que a origem de sua produção tenha sido o STF.

No primeiro áudio, de 1 minuto e 40 segundos, o juiz instrutor diz que conversou com uma mulher identificada como “Cristina” a respeito da necessidade de mudança da menção ao STF, que deveria ser substituída por “Tribunal Superior Eleitoral” no timbre da documentação.

Vieira continua dando instruções e diz que a produção deveria ser atribuída a uma “ordem do dr. Marco Antônio”, com a indicação do processo 4.781 – o número do inquérito das “fake news” que tramita no STF.

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A menção, no caso, é à Cristina Yukiko Kusahara Gomes, chefe de gabinete de Moraes no Supremo, e a Marco Antônio Martins Vargas, juiz auxiliar de Moraes no TSE.

“Atualmente, o ministro passa por uma fase difícil. Qualquer detalhe, qualquer peninha pode virar amanhã ou depois mais um objeto de dor de cabeça para ele”, afirma Vieira no áudio enviado a Tagliaferro.

“Para todos os fins, fica de ordem dele, do dr. Marco [do TSE], que ele manda enviar pra gente [no STF] e ai, tudo bem. Ninguém vai poder questionar nada, etc, falar de onde surgiu isso, caiu do céu, a pedido de quem, etc.”, diz o auxiliar de Moraes.

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Dois minutos depois, Vieira manda outro áudio, de 1 minuto e 20 segundos, detalhando suas orientações. Segundo ele, o modelo a ser seguido, a partir daquele momento, teria sido discutido entre Cristina Gomes e Jefferson Silva, outro assessor de Moraes no STF.

“Em um primeiro momento pensei em colocar o meu nome, de ordem do juiz Airton Vieira, etc etc. Mas, pensando melhor, fica estranho. Porque eu não tenho como mandar pra você [Tagliaferro], que é lotado no TSE, um ofício ou pedir alguma coisa e você me atender sem mais nem menos”, diz Vieira.

“Eu teria que mandar um ofício ao presidente do TSE, pedindo para que ele repassasse essa ordem para você, para que você, aí, me atendesse”, orienta o juiz instrutor do gabinete de Moraes.

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Na sequência, Vieira admite que sabia da irregularidade dos pedidos feitos a Tagliaferro para o envio dos relatórios.

“Embora saibamos que entre nós as coisas são muito mais fáceis justamente porque temos um mínimo múltiplo comum na pessoa do ministro [Alexandre de Moraes], mas eu não tenho como, formalmente… Se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim”, diz Vieira.

“Ele quer tudo em ordem”

Três dias depois, em 13 de outubro de 2022, Vieira e Tagliaferro voltam a se comunicar sobre os relatórios. O juiz instrutor de Moraes menciona, mais uma vez, o temor acerca de “questionamentos futuros” sobre os procedimentos que estavam sendo adotados.

“O ministro pediu que, daqui para frente, todos os relatórios, ele quer que venham acompanhados dos respectivos ofícios de encaminhamento. Especialmente esses mais delicados, para que se evite qualquer questionamento futuro. Ele quer procedimentalmente tudo em ordem”, pede Vieira.

Entre outubro de 2022 e abril de 2023, Vieira continuou a pedir diretamente a Tagliaferro para que fizesse o monitoramento das redes sociais e a produção de relatórios contra alvos alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em todos os casos, de acordo com as reportagens da Folha de S.Paulo, Tagliaferro cumpriu as ordens do juiz instrutor de Moraes e encaminhou os relatórios, com o timbre do TSE.

Procurado pela reportagem do jornal, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes afirmou que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.

Tagliaferro, por sua vez, disse que “cumpria todas as ordens” que lhe eram dadas. “Não me recordo de ter cometido qualquer ilegalidade”, afirmou.

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