Aumento entre indígenas e reincidência são desafios para combate da gravidez precoce

há 1 dia 3

A redução no número de partos de adolescentes no país na última década atinge, em diferentes níveis, mulheres de variados perfis, com variações na cor de pele, estado civil e escolaridade. Duas exceções preocupam especialistas.

Entre as mulheres indígenas, o número de partos cresceu em 11% dos últimos 14 anos. Entre aquelas de 15 a 19 anos, aumentou 21% entre 2014 e 2023. Já a taxa de reincidência não melhorou e se mantém estável. 1 a cada 4 partos de adolescente é de uma jovem que já é mãe, considerando todos os perfis.

"Enquanto a queda entre no número de nascimentos de adolescentes brancas é mais acentuada, para as adolescentes negras a redução ocorre em ritmo mais lento, e entre indígenas observamos até mesmo um aumento no número de nascimentos", comenta Florbela Fernandes, representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil.

Em números totais, os partos de adolescentes indígenas de 15 a 19 anos passaram de 4,6 mil em 2010 para 8,0 mil em 2023, com um crescimento quase constante. Os dados são do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) do SUS (Sistema Único de Saúde)

Entre as adolescentes pretas da mesma faixa etária, a queda é contínua desde 2014, mas a redução de 24% em dez anos é mais de duas vezes mais lenta do que a verificada entre as adolescentes brancas, com 56%.

"Esses dados reforçam a importância de políticas públicas baseadas em evidências que considerem as especificidades de cada grupo, assegurando que nenhuma adolescente fique para trás em seus direitos e oportunidades", afirma Florbela.

A discrepância também fica evidente para o grupo de 10 a 14 anos, em que grande parte dos casos de gravidez deriva de estupro —no Brasil, é crime a conjunção carnal com menor de 14 anos. Nesta faixa etária, em 2023, nasceram mais filhos de meninas indígenas (913) do que de negras (744) em 2023 , ainda que vivam no Brasil 16,8 vezes mais pretos do que indígenas, de acordo com o Censo 2022.

A ginecologista Denise Leite Maia Monteiro, professora titular de obstetrícia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e diretora da Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência, aponta outro ponto de atenção: a reincidência.

"O casamento me parece ser a maior causa disso. Elas constituem estrutura familiar e relaxam na contracepção", avalia. Desde 2019, o código civil proíbe o casamento de menores de 16 anos em qualquer hipótese, mas as famílias continuaram a ser formadas, sem a formalização civil.

Entre 2015 e 2022, a reincidência passou de 27,8% para 26% para jovens de 15 a 19 anos e de 5,0% para 5,1% no grupo etário de 10 a 14. Isso levando em conta todos os perfis.

"Quando uma menina tem um filho, reduz todas as chances de escolaridade, empregabilidade e até de criar o seu bebê adequadamente pela sua imaturidade. Quando ela tem uma rápida repetição da gravidez, ou seja, com outro filho na adolescência, suas chances de prosperidade são quase nulas, a chance de adoecimento e morte dela e do seu bebê também aumentam", afirma a ginecologista Ida Peréa Monteiro.

Em Rondônia, um programa desenvolvido por ela, o "De Novo, Não", que oferece DIU (dispositivo intrauterino) para todas as adolescentes que tinham parto na maternidade municipal Mãe Esperança, em Porto Velho, vem derrubando as taxas de reincidência no estado.

"Reduzimos a reincidência e a taxa de fecundidade geral, à medida que as pessoas passam a conhecer o DIU e o [implante contraceptivo] Implanon. Capacitamos os médicos de atenção primária à saúde dos municípios para a inserção DIU. Isso está reduzindo muito rapidamente a taxa de fertilidade", conta.

De acordo com ela, a reincidência é uma questão fácil de ser resolvida. "É muito fácil oferecer DIU e Implanon após evento obstétrico [parto ou aborto], antes da alta hospitalar. Reduzir a reincidência é muito mais fácil que reduzir a incidência, depende só de vontade política dos gestores e das equipes das maternidades para fazer o trabalho."

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.

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