Se você vai a algum lugar esperando uma viagem de oito dias e acaba não conseguindo sair por oito meses, a maioria das pessoas definiria sua situação como "preso".
Foi o que aconteceu com Sunita Williams e Barry Eugene Wilmore, chamados de Suni e Butch. Os astronautas da Nasa viajaram para a Estação Espacial Internacional (ISS na sigla em inglês) em junho a bordo da Starliner, da Boeing.
Durante o voo de teste, o sistema de propulsão falhou e os engenheiros não têm certeza se conseguiriam trazer os dois astronautas de volta à Terra com vida.
Então, isso não significa que os astronautas estão presos?
Delian Asparouhov, fundador e presidente da Varda Space Industries, que pretende fabricar medicamentos e outros materiais no espaço, postou na plataforma social X: "Não sei vocês, mas, se eu ficasse preso em um aeroporto por sete meses a mais do que o esperado, isso definitivamente se qualificaria como 'preso'".
Mas, para os astronautas que passam suas carreiras esperando viajar para o espaço, tempo extra em órbita não é uma luta de sobrevivência como é para o personagem astronauta isolado de Matt Damon no filme "Perdido em Marte".
Na verdade, pode ser mais como seu chefe perguntando se você se importaria de estender uma curta viagem de negócios a Paris por meio ano.
"Butch e eu já estivemos aqui antes, e parece que estamos voltando para casa", disse Williams, que teve duas estadias longas anteriores na estação espacial, durante uma entrevista coletiva no mês passado. "É ótimo estar aqui em cima, então não estou reclamando."
Independentemente da discussão se Williams e Wilmore estão ou não presos, a Nasa tem uma decisão difícil que precisa ser tomada nesta semana sobre a maneira mais segura de trazê-los de volta à Terra.
Se decidir que os problemas com o sistema de propulsão da Starliner representam um risco muito grande, a Nasa mudará para um plano de backup, trazendo os dois astronautas de volta na Crew Dragon, nave construída pela concorrente da Boeing, a SpaceX.
Isso, por sua vez, levará a uma reorganização das atribuições dos astronautas na ISS. A próxima Crew Dragon, programada para ser lançada no final de setembro, levaria dois astronautas para a estação espacial em vez de quatro, deixando dois assentos para Williams e Wilmore na viagem de retorno por volta de fevereiro do próximo ano.
Funcionários da Nasa e da Boeing têm relutado em usar a palavra "preso", o que acrescentaria mais um ponto negativo no histórico de um projeto que acumula adiamentos devido a contratempos técnicos.
"Acho que os repórteres usam uma linguagem imprecisa para atrair espectadores", disse Lori Garver, que atuou como administradora adjunta da Nasa durante a administração Obama. "Estamos todos acostumados com isso. Não acho que valha a pena ficar na defensiva, mas eles também não estão presos."
Por um lado, embora a Nasa e a Boeing tenham dito que a Starliner passaria pelo menos oito dias na estação espacial, os responsáveis pela missão destacam que esse é um voo de teste projetado para descobrir problemas. Assim, afirmam que não é surpresa que nem tudo tenha corrido perfeitamente.
"Eu acho que todos sabíamos que isso ia durar mais do que isso", disse Mark Nappi, o representante da Boeing responsável pelo programa Starliner. "Não passamos muito tempo falando sobre quanto mais, mas acho que é meu arrependimento não termos dito simplesmente: 'Vamos ficar lá em cima até fazermos tudo o que queremos fazer'."
Os motivos para a visita prolongada dos astronautas envolvem 28 propulsores que a Starliner usa para manobras. Durante sua aproximação da estação espacial, cinco deles apresentaram mau funcionamento. Embora quatro tenham sido reativados e a Starliner tenha acoplado à ISS com segurança, havia preocupações de que pudessem falhar novamente na viagem de retorno.
Testes em solo mostraram que o problema pode ter sido causado pela expansão de uma vedação de teflon dentro dos propulsores, restringindo o fluxo de propelente.
Testes subsequentes de disparos dos propulsores da Starliner em órbita, porém, mostraram que o desempenho havia retornado quase ao normal. Isso foi intrigante, porque não se esperava que um teflon distorcido voltasse à sua forma original. Isso levantou a possibilidade de que outra coisa fosse a causa dos problemas nos propulsores.
Joseph Fragola, especialista em segurança aeroespacial que não trabalhou na Starliner, mas trabalhou com propulsores semelhantes no módulo lunar durante o programa Apollo na década de 1970, disse que um desequilíbrio nos propelentes poderia levar a um acúmulo de sujeira nos propulsores. Isso também explicaria o desempenho diminuído dos propulsores, e o resíduo poderia evaporar posteriormente, explicando por que agora funcionam normalmente.
"Não sei se esse é o problema que estão enfrentando, mas levou muito tempo para resolver esse problema", disse Fragola.
Se esse for o problema, poderia representar um perigo sério. O resíduo e uma mistura desequilibrada de propelentes poderiam causar uma explosão, segundo Fragola.
Funcionários da Nasa oferecem outro argumento para apoiar a afirmação de que Williams e Wilmore não estão presos: eles permanecem confiantes o suficiente na Starliner para que dois astronautas a usem em caso de evacuação de emergência da estação espacial.