"Se você tivesse que escolher entre a verdade e a justiça social, o que escolheria?". Para alguns a resposta é fácil, para outros, nem tanto. Para os produtores da Brasil Paralelo (BP), responsáveis pelo lançamento do vídeo de ataque às universidades, no Brasil e nos EUA, intitulado Unitopia, essas e outras frases de efeito servem para costurar uma narrativa persecutória e revanchista sobre as universidades, a ciência, professores e estudantes. A BP já tinha produzido, em 2020, uma trilogia atacando as universidades, a educação laica e Paulo Freire, dando voz a detratores, ressentidos, amalucados, inclusive o Ministro da "Balbúrdia".
Mirar instituições de ensino e pesquisa é tática central na chamada Guerra Cultural, evocada no próprio filme e empregada por religiosos fundamentalistas, políticos extremistas, influenciadores oportunistas, negacionistas climáticos, movimento antivacina etc. Em Unitopia, os atiradores dessa guerra são pesquisadores e professores supostamente perseguidos e incompreendidos em suas instituições universitárias, que sofreram processos disciplinares, embates em sala de aula ou foram "cancelados" por estudantes e colegas.
Depois de quase meia hora acusando os movimentos negro, pró-Palestina e LGBTQIA+ de terem transformado as universidades em espaços degenerados de guerra identitária, os professores marxistas de seguirem doutrinando e o movimento estudantil de incubadora de militantes radicais, nada de dar a voz a alguns desses "ideólogos" e "déspotas" das minorias. E sequer dão voz aos que representam suas instituições como líderes em suas áreas de conhecimento, que são os docentes mais reconhecidos, com resultados de pesquisas de maior impacto e relevância, inclusive na recente pandemia ou sobre os eventos climáticos extremos.
Se Unitopia exala racismo, homofobia, islamofobia, ignorância e preconceito, tenta se amparar em alguns poucos dados objetivos, quase todos contestáveis e de fontes duvidosas. Um exemplo: com o objetivo de gerar pânico e indignação, afirma que 9 em cada 10 professores em universidades norte-americanas são esquerdistas. A falsificação é facilmente detectável e reveladora da maneira como a BP "busca a verdade". É citada como única fonte um preprint — uma versão preliminar de artigo que nunca foi revisado por pares ou publicado em revista acadêmica, que tem um claro viés metodológico e, até hoje, nunca recebeu uma única citação. Além disso, foi escrito por um coach, estagiário em engenharia de softwaresem formação em pesquisa nem vínculo com grupos de pesquisa.
Já a famosa batalha da Rua Maria Antonia, entre a USP e a Mackenzie, em outubro de 1968, e que resultou em dezenas de feridos e um estudante morto, teria ocorrido apenas porque os estudantes da USP teriam sido alvo do arremesso de um "ovo podre". Esse conflito campal foi um dos pretextos para que o governo militar endurecesse logo a seguir, promulgando o AI-5. A Batalha da Maria Antonia é uma história fartamente documentada e com diversos textos a respeito. Em Unitopia, virou a anedota do ovo podre atirado na USP.
Se as universidades, em especial as federais, estão bastante precarizadas, com falta de manutenção, laboratórios e equipamentos defasados, falta de docentes e técnicos, isso é fruto de 6 anos de desinvestimento e ataques incessantes dos governos Temer e Bolsonaro. E é justamente por isso que foram submetidas a todas as formas de constrangimentos, cortes orçamentários, ingerências e ataques.
Unitopia é apenas mais um produto de Guerra Cultural no combate local e internacional que a extrema direita tem feito às universidades, ao pensamento crítico, aos professores e aos estudantes. A peça de propaganda da BP contra as universidades é esse mesmo "ovo podre" sendo arremessado sobre nós, agora não com o auxílio de armas do CCC e da ditadura, mas com a máquina de guerra audiovisual de publicitários habilidosos que dão a esse ovo uma casca vistosa.
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