: As férias involutivas do Homo sapiens

há 1 mês 2

Fim de ano chegando e com ele, o temido convite. Não, não me chamem para acampar. Eu já recusei. Não sei a data nem o destino, mas já recusei.

Dia 28 de dezembro? Não posso. Vai ter reunião da escola do meu filho (não tenho filho), vou acompanhar a cirurgia de fêmur do meu avô (ele já morreu), terei uma crise alérgica por conta do camarão que comi em 2005. Simplesmente, não estarei disponível.

Acampei uma única vez na vida. Réveillon de 2012, numa praia linda que não tinha nada de deserta. O inferno de Dante me parecia um resort perto daquele cenário, mais lotado do que o show da Taylor Swift, mais barulhento que festival de rave, mais sujo que latrina de banheiro químico. Com o perdão do trocadilho, aquela, definitivamente, não era a minha praia.

Observando os demais acampantes, todos pareciam satisfeitos —pouco ou nada incomodados com os dissabores do ambiente. Seria eu a equivocada da situação? Deveria eu estar me deleitando com o som do violão adolescente da barraca ao lado? Estaria eu ignorando toda a beleza idílica da paisagem ao meu redor? Não, aquilo não poderia ser normal.

Os banheiros eram limpos, talvez, a cada ano bissexto. Para completar o desespero, dormimos três pessoas em uma barraca onde só cabiam duas. Respirei fundo, retomei a consciência. Cheguei no dia 30 de dezembro, fui embora no dia seguinte.

No percurso evolutivo da espécie humana, descobrimos o fogo, e passamos a comer alimentos cozidos. Deixamos de viver desabrigados, para nos proteger do frio, do vento e da chuva. Inventamos saneamento, vacina, eletricidade. Enfrentamos doenças, desastres naturais, guerras, migrações —para que alguém invente que é "cool" fazer cocô de cócoras sob o risco de ser picado por uma cobra.

Humanos, precisamos honrar as adversidades que nossos antepassados enfrentaram, elas não podem ter sido em vão. Não podemos involuir. Cientificamente, somos classificados como Homo sapiens, do latim, "Homem Sábio". Desculpem-me os cientistas, mas o ser humano que decide por livre-arbítrio passar perrengue no mato não me parece tão sábio assim.

Admiro a ousadia dessa gente, mas me falta desapego, nirvana, renúncia. Sou fraca nesse aspecto, admito. Se eu puder escolher, fico com os dois: uma casa na beira da praia e um ótimo sinal de wi-fi. Acordar com maritacas e tomar banho no box de porcelanato. Um pôr do sol deslumbrante e ar-condicionado. O melhor dos dois mundos. Se for um hotel à beira-mar, podem me convidar. Estarei livre.

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