Idio Chichava, de Moçambique, já havia estado no Brasil. Nora Chipaumire, do Zimbábue, estava há anos planejando vir. O francês Mohamed el Khatib é campeão de participação na MITsp: é sua terceira colaboração com o festival. Com sua programação internacional, o evento oferece ao espectador a chance de conhecer as produções de outras culturas e de vê-las criar pontes com o Brasil.
Esses artistas são, respectivamente, os criadores das apresentações "Vagabundus", "Dambudzo" e "A Vida Secreta dos Velhos". Chipaumire, que é a artista em foco da mostra, traz ainda um segundo espetáculo, realizado a pedido do festival: "Acontinua - Um Obituário, um Manual para uma Vida Vivida Perseguindo a Vida".
"Estou com 60 anos e vejo que a cada trabalho revisito ideias, como o corpo negro, colonialismo, o que significa ser livre, o que é felicidade, o que é comunidade. Vejo que as pessoas que vieram depois de mim não têm ideia do que significa acreditar em algo", afirma Nora, que aproveitou sua vinda à MITsp para fazer uma residência artística em São Paulo.
Uma das coisas que a interessou na cidade foi o fato de não se sentir estrangeira aqui. "É bom estar num lugar em que você não se destaca pelo seu visual."
Chipaumire diz sentir uma urgência constante em capturar o momento atual. "Tenho um desejo profundo de criar algo significativo, de questionar, de abrir um espaço que nos acolha a todos." Também não acredita em reapresentar trabalhos feitos há cinco ou dez anos. "Nós estamos sempre no presente."
O coreógrafo Idio Chichava, cujo espetáculo "Vagabundus" abre o festival no dia 13 para convidados, já se sente em casa no Brasil. "Sempre fui bem acolhido e percebo muita curiosidade sobre o que se dança em Moçambique. Há também a expectativa de criar pontes na comunicação entre os dois países", diz ele.
No início do projeto "Vagabundus", Chichava era um dos bailarinos. Agora, perto de completar 43 anos, saiu do corpo de baile. Ele conta que trazer o espetáculo para a MITsp resulta em obter outro tipo de atenção em seu próprio país.
"É necessário que a peça seja apresentada internacionalmente para ter mais respeito das autoridades, que talvez a partir daí percebam que a dança é um dos elementos principais no desenvolvimento e na divulgação da cultura moçambicana."
O francês Mohamed el Khatib, 43, mora em Paris. Ele avaliou que participar da MITsp vai ajudar a validar política e esteticamente seu espetáculo. "Penso que a questão do envelhecimento é universal. O que a gente vai fazer com nossos velhos?"
Esse questionamento surgiu a partir da experiência do diretor em estabelecimentos que acolhem idosos na França. "É uma catástrofe, não tem dignidade. Os lugares são sujos, a comida é horrível, as construções são feias. Me chocou como é maltratada a velhice."
Para o artista, a cultura atual só destaca pontos negativos da velhice, como a perda de memória e mudanças no corpo. "Nunca se fala em coisas positivas, como o amor e o desejo. Quando comecei a conversar com os velhos, percebi que eles não estão mortos, mas a gente já os está enterrando."
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Os atores da peça têm entre 75 e 92 anos e não são profissionais. Foram recrutados em casas de repouso e por meio de anúncios: "Se você tem mais de 75 e alguma história de amor, me procure." Muita gente apareceu, netos contando casos de suas avós, filhos lembrando histórias de seus pais. "Jovens me procuraram, fiquei muito contente. Todos nós somos futuros velhos."
Sobre apresentar o espetáculo em São Paulo, o diretor afirma que suas duas experiências anteriores foram extraordinárias. "O Brasil é um país em que me interessa muito mostrar meus trabalhos."
Depois do festival, "A Vida Secreta dos Velhos" tem futuro garantido: já há cem datas previstas de próximas apresentações em países como Estados Unidos, Japão, Suécia e Alemanha.