O trabalho de Juan Casemiro é feito de memórias e objetos que estão na iminência de desaparecer. Dezenas de fitas cassetes, por exemplo, deram origem à obra "Dia e Noite" ao serem enfileiradas e unidas por um fio preto. Cartões-postais de Brasília posicionados sobre um antigo televisor portátil criaram a peça "No Estado I". São itens que revelam um cotidiano que não existe mais e monumentalizam instantes fugidios.
"Essa ideia de trabalhar com coisas que estão desaparecendo tem a ver com a percepção de que, à medida que o tempo passa, a imagem das pessoas que não estão com a gente vai sumindo. Fica difícil lembrar a altura, o rosto e as interações", diz o artista mineiro, que apresenta 20 obras na exposição "Depois que Acaba", em cartaz na galeria Marli Matsumoto, na zona oeste de São Paulo.
Alguns dos trabalhos, inclusive, são uma referência ao pai de Casemiro, que morreu em 2010. É o caso de "Onze", um pedaço de madeira amarelo sobre o qual há o algarismo que dá nome à obra. Esse número é importante por lembrá-lo de um dia que desejou não ter fim.
"Quando falei isso, meu pai pegou meu braço e desenhou nele um relógio que ia até o 11. Depois, disse que, se o dia tivesse 11 horas, ele jamais acabaria. Daí fiquei com isso na cabeça." Seguindo esse mote, o artista realizou em abril deste ano a exposição "Onze Horas", no Centro MariAntonia, em São Paulo.
A mostra trazia obras que dialogavam com temas como luto e afetividade. "Era uma exposição sobre o meu pai e uma forma de conversar com ele."
Casemiro já fez exposições em instituições como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Museu Mineiro, em Belo Horizonte, e na Oficina Cultural Oswald de Andrade. Mestre em arquitetura pela Universidade de São Paulo, a USP, ele investiga também espaços urbanos por meio de seu trabalho.
Isso pode ser visto em "Lição de Pintura", um díptico de 2014 formado por uma fotografia em que o artista aparece com os braços erguidos e por outra imagem, na qual eles estão abaixados. O trabalho tem como cenário as ruínas da Vila Itororó, conjunto habitacional no centro de São Paulo construído na década de 1920.
Na parede atrás de Casemiro, é possível ver as marcas de onde ficavam armários de um dos imóveis. "Essas marcas lembram o modo como eu pintava na época. Depois disso, o meu trabalho foi sendo contaminado tanto por resíduos da construção civil quanto por objetos que estão desaparecendo no sentido comercial", diz ele, que costuma encontrar esses itens ao acaso nas cidades para onde viaja.
"Até o ano passado, todas as coisas que eu usava para fazer o trabalho eram encontradas na rua. Era sempre um objeto de descarte. Para mim, essa coisa do encontro tinha um lugar muito importante."
Após esbarrar em um item que chama sua atenção, ele deixa o objeto em casa até ter uma ideia de como usá-lo. "Eu passo a conviver com ele até ficar incomodado e sentir que preciso resolvê-lo."
Dona da galeria que leva seu nome, Marli Matsumoto diz que Casemiro tem um projeto estético parecido com o de artistas como Robert Rauschenberg. A exemplo do mineiro, Rauschenberg usava materiais pouco convencionais em suas criações.
"O trabalho de Juan é, de certa forma, confessional. Ele é poético, mas mantém aquela precariedade de um objeto que já foi usado antes", diz Matsumoto, acrescentando que as criações costumam deixar o público magnetizado.
"São peças que têm um encanto. As pessoas, sejam leigas, curadoras, sejam colecionadoras, encontram uma afinidade nas obras. Esse é o mistério do trabalho dele."