A morte de Armando Freitas Filho, aos 84 anos, no Rio de Janeiro, foi o último passo de uma trajetória peculiar. Ele ocupou, a uma só vez, um papel agregador e ímpar durante os mais de 60 anos em que exerceu seu ofício —ou dever— de poeta.
Caminhou em paralelo a seus contemporâneos da poesia marginal, sem de fato integrar o grupo. Ao mesmo tempo, era identificado com nomes da geração, como Francisco Alvim e o cometa —brilhante e passageiro— Ana Cristina Cesar, zelando pela obra da amiga após seu suicídio.
Em 2013, quando ele completava cinco décadas de poesia, celebradas com "Dever", a ensaísta e crítica Heloísa Teixeira explicou a esta jornalista por que o deixou de fora da antologia elaborada por ela, que captou o movimento a quente.
"Eu fiz uma antologia de poesia marginal em 1976 e ele não está, porque a palavra para ele é uma coisa tão importante, é um artesanato que ele tem tão sofisticado." A poesia marginal, "antiliterária" segundo ela, era o contrário do trabalho de "esculpir a palavra, esculpir a sintaxe", desempenhado pelo amigo.
Esse rigor é a marca mais evidente de uma obra que cobre da meditação sobre a cidade ao erotismo e que apenas recentemente deixou o verso —publicou "Trio" pela 7Letras em 2018 e "Só Prosa" em 2022, pela Companhia das Letras, sua casa editorial desde "Lar", de 2009.
Foram mais de 40 títulos, contando plaquetes e infantojuvenis, desde "Palavra", de 1963, até "Respiro", que entrou no prelo no dia de sua morte, nesta quinta-feira.
Autodefinido ansioso e metódico, colocava o corpo a serviço da mente inquieta. Caminhava quilômetros diários pela sua Urca, até a pandemia vir lhe ceifar o hábito. Não raro lhe ocorria anotar na rua os versos que pareciam brotar do passo ritmado.
Isso não se confundia com um culto da inspiração. "Comigo não tem essa coisa de esperar a poesia chegar: eu vou de encontro a ela. Se ela chegar, estou pronto para escrevinhá-la. Se ela não chegar, eu estou sempre em contato com ela, através da leitura, porque fui e sou um leitor compulsivo."
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Reescrevia muito, em cadernos primeiro, depois em papéis soltos, passando a limpo na máquina de escrever e no computador, em busca da forma contida e continente que viesse a expressar o que ele precisava dizer.
Pois precisava. Era gago, mas o titubeio verbal só o assolava nos momentos de exasperação. No papel, nada transparecia de hesitante.
Filiava sua poesia à descoberta, na juventude, de Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, aos quais chamava "três mosqueteiros", sem deixar de lado Ferreira Gullar, o "D’Artagnan". Serviu de elo entre o modernismo e os novos e novíssimos autores hoje em atividade. Estes encontraram em Armando um mentor.
Armando, sim, pois era como todos o chamavam. Quando a porta de sua casa se abria para um jovem poeta ou estudante, era um passo em um mundo de generosidade e atenção.
Gozaram dessa amizade profícua nomes tão diversos como Sérgio Alcides, Maria Rita Kehl, Laura Liuzzi e Alice Sant’Anna —a estas duas, ele chamava "meus brincos de pérola". Alice foi, ainda, sua última editora.
Levada primeiro por uma tarefa deste jornal, também entra para a lista a autora deste texto, poeta ocasional que se une aos que ele deixa —sua querida Cristina Barros Barreto, os filhos, Maria e Carlos, os netos, Max e Mia, e todos os que tiveram a sorte de cruzar o portão azul da Urca, detrás do qual não havia o "cão bravo" anunciado na placa, mas um coração aberto para a poesia.