Apoio a Maduro gera desconforto dentro do governo Lula e municia oposição

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A eleição na Venezuela no último domingo (28), em que o ditador Nicolás Maduro foi proclamado vencedor mesmo diante de denúncias de fraude, trouxe desgaste ao governo Lula (PT), segundo auxiliares do presidente.

Adversários do petista já vinham explorando a proximidade histórica de Lula com o chavismo ao longo de segunda-feira (29). Mas a divulgação da nota do PT, que classificou o pleito de democrático e soberano, e a fala de Lula de que via "nada de anormal" no processo eleitoral venezuelano alimentaram críticas até mesmo entre aliados.

Dentro do governo Lula, a crise no país vizinho tem gerado um crescente desconforto, sobretudo diante da perseguição do regime contra opositores e da avaliação, feita pelo Centro Carter, de que as eleições não foram democráticas.

Diferentemente do PT, ministros e dirigentes partidários de legendas aliadas fizeram críticas e chegaram a dizer que não há democracia na Venezuela, como foi o caso da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede).

"Na minha opinião pessoal, eu não falo pelo governo, não se configura como uma democracia. Muito pelo contrário", disse ela ao site Metrópoles.

Já Carlos Siqueira, presidente do PSB, partido do vice Geraldo Alckmin, disse considerar o regime "uma ditadura". "E, como tal, sabíamos que ele não realizaria uma eleição livre, transparente e democrática", afirmou em rede social.

Também houve críticas ao venezuelano por parte do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e do senador gaúcho Paulo Paim, nome histórico do PT.

As divergências ocorrem às vésperas do início da campanha eleitoral municipal, em que o tema pode ser usado para atacar candidaturas à esquerda pelo país.

O PSOL ainda não se manifestou oficialmente sobre as eleições na Venezuela. Um dirigente do partido afirma que, por ora, a posição do governo de pedir transparência contempla a sigla. A nota do PT não representa a opinião do PSOL, segundo essa liderança.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, disse que acompanha com preocupação a eleição no país vizinho e que espera a posição da diplomacia brasileira.

Entre os aliados, apenas o PC do B foi na mesma linha do PT de reconhecer a vitória de Maduro. O partido disse que "venceu a democracia e a vontade popular". O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), centrais sindicais e movimentos de esquerda também se manifestaram pelo reconhecimento da reeleição do ditador.

Entre integrantes do governo, há ainda uma avaliação de que o tema é tóxico na opinião pública, que não vê com bons olhos a proximidade de Lula com o chavismo.

O assunto tem sido explorado pela oposição. Do ponto de vista eleitoral, um auxiliar palaciano minimizou o potencial impacto, sobretudo porque o pleito municipal ocorre apenas em outubro. Mas, neste momento, sabem que seus aliados serão alvo de críticas.

"O povo de São Paulo está vendo os valores que cada candidato defende. Calar-se sobre a ditadura de Maduro e sua invasão da democracia na Venezuela é inaceitável", disse o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sobre Boulos.

O tema também trouxe desgaste no Congresso. Mesmo em recesso, os senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Ciro Nogueira (PP-PI) apresentaram requerimentos para convocação de Celso Amorim, assessor internacional de Lula, e o chanceler Mauro Vieira na Comissão de Relações Exteriores para falar de Venezuela.

"Atiram na cabeça para matar [Donald] Trump e Lula foi incapaz de dizer: atentado à democracia! Maduro frauda a eleição e reimplanta sua ditadura e Lula não condena. Lula virou porteiro das ditaduras", disse Ciro Nogueira.

Já o deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE) criticou o que chamou de "omissão" do governo. "De forma cínica e vergonhosa, o PT chama a eleição na Venezuela de jornada ‘democrática e soberana’. Um tapa na cara da democracia!", afirmou, ao defender a convocação de Mauro Vieira na Câmara.

Na noite de segunda-feira, a Executiva Nacional do PT reconheceu em nota a eleição de Maduro.

Num primeiro momento, integrantes do Planalto e aliados de Lula fizeram questão de se distanciar do partido e disseram que ela não representava o posicionamento do governo. Ademais, classificaram-na como precipitada.

A fala de Lula veio no dia seguinte. Em entrevista, o presidente não criticou a nota de seu partido e disse ainda não ver nada grave no processo eleitoral venezuelano.

"Vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51% e teve outra pessoa que disse ter tido 40 e poucos por cento. Um concorda outro não. Entra na Justiça e a Justiça faz."

A elaboração do comunicado do PT deixou evidente as divisões internas que o tema causa.

Gleisi Hoffmann e Gleide Andrade, respectivamente presidente e tesoureira do PT, estiveram com Lula na noite de segunda no Palácio da Alvorada. Ao deixaram o local por volta das 20h30, Gleisi informou a petistas que seria redigida uma nota sucinta de felicitação a Maduro.

Às 22h02, Gleisi encaminhou, via Whatsapp, o texto à cúpula petista. A nota foi aprovada às 22h15.

A presidente do partido disse à Folha que, apesar de ter estado com o presidente, não conversou com ele sobre a declaração.

Após a votação, o senador Humberto Costa (PE) sugeriu alterações no texto, mas a nota já estava aprovada. Cerca de uma hora depois, Valter Pomar, coordenador da corrente Articulação da Esquerda, a publicou no grupo do Diretório Nacional do PT.

Diretor de comunicação da Fundação Perseu Abramo, Alberto Cantalice apontou uma precipitação do comando do partido. Secretária-executiva do Foro de São Paulo, Mônica Valente, reagiu e disse defender a soberania da Venezuela.

Na noite da própria segunda, o deputado Reginaldo Lopes (MG), ex-líder do partido na Câmara, registrou sua crítica nas redes sociais. "Um governo verdadeiramente democrático convive com críticas, questionamentos e oposição organizada. A atuação de Maduro na Venezuela é a postura de um ditador", publicou.

Auxiliares de Lula deram início a uma operação para reduzir danos nesta quarta (31) e para tentar justificar a entrevista dada pelo presidente. Disseram que a fala na entrevista ocorreu de forma não planejada e foi mal colocada.

Eles afirmaram ainda que Lula já criticou Maduro no passado, por exemplo quando ele condenou a fala do ditador sobre um possível "banho de sangue" na Venezuela. Também houve um esforço para ressaltar que, apesar da fala de Lula, o governo não felicitou Maduro e tem insistido na cobranças pelas atas de votação.

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