O Cern, o laboratório de física de partículas que pesquisa os menores blocos de construção do Universo, se vê diante de um novo desafio: como financiar um projeto de US$ 17 bilhões (R$ 93 bilhões) para mantê-lo à frente da concorrência.
O principal centro de física nuclear do mundo precisa financiar a construção do Futuro Colisor Circular (FCC), já que seu acelerador de partículas existente —famoso pela descoberta do bóson de Higgs— está chegando ao fim de sua vida útil. Mas, enquanto o Cern recebia na última terça-feira (1º) a chefe da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e outros líderes para as celebrações de seu 70º aniversário, sua diretora-geral tinha a tarefa de mobilizar os Estados-membros europeus com dificuldades financeiras para arcar com a conta.
A diretora-geral do Cern, Fabiola Gianotti, também está buscando novas maneiras de financiar pesquisas que abrangem a matéria escura invisível que compõe a maior parte do Universo até os possíveis efeitos dos raios cósmicos nas nuvens. Enquanto o trabalho pioneiro do centro europeu de física de partículas tem gerado invenções como a World Wide Web, tais avanços vêm indiretamente de sua pesquisa pura.
"A pesquisa fundamental é um motor da inovação", disse Gianotti em uma entrevista no Cern, que fica em Genebra, na Suíça. "A história mostra que grandes avanços vêm da pesquisa fundamental."
As apostas geopolíticas são altas, já que o Ocidente busca manter sua liderança sobre a China na física de partículas. Gianotti reconhece que o país asiático poderia construir um colisor rival, porém considera que o Cern mantém certas vantagens.
"A China tem ambição e com certeza a capacidade", disse ela. "Mas o Cern é uma instituição única e não tenho tanta certeza de que seja fácil de clonar em termos de valores, de abertura, de colaboração, de ciência, tecnologia, tudo junto."
Em seu aguardado relatório sobre a competitividade da União Europeia no início do mês passado, o ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, destacou o Cern como um caso de sucesso. O laboratório conquistou a liderança global em física de partículas, e o próximo colisor exerce um papel fundamental no avanço de tecnologias de ponta.
"Se a China vencesse essa corrida e seu colisor circular começasse a funcionar antes do Cern, a Europa correria o risco de perder sua liderança em física de partículas, potencialmente comprometendo o futuro do Cern", de acordo com o relatório de Draghi.
Um estudo de viabilidade sobre o novo acelerador será concluído em 2025, com uma decisão sobre sua aprovação esperada para 2027 ou 2028. O novo colisor teria cerca de 90 quilômetros sob os campos da França e da Suíça, incluindo a extremidade oeste do lago Genebra, superando o anel subterrâneo existente de 27 quilômetros.
Gianotti, que lidera uma equipe de 4.500 físicos, engenheiros e técnicos, conseguiu apoio dos Estados Unidos, um parceiro observador, e de alguns Estados-membros europeus para o novo colisor.
Contudo, o Cern também está abrindo a porta para uma discussão sobre o financiamento do setor privado de seu programa científico central, de acordo com Gianotti, que chegou como pesquisadora pós-doutorada da Itália em 1994 e deixará o cargo no final do ano que vem.
No ano passado, o laboratório aceitou US$ 48 milhões do Fundo de Inovação Estratégica Eric & Wendy Schmidt para desenvolver algoritmos de inteligência artificial para analisar dados brutos do LHC (sigla em inglês para grande colisor de hádrons), a primeira doação desse tipo para seu trabalho científico central. Mais debate é necessário antes que isso se torne a norma.
"É um tópico muito complexo", disse Gianotti, um físico de partículas experimental por formação. "Estamos abertos a isso, mas ainda não chegamos lá."