André Barcinski: Rock in Rio é festival para público que não se importa com música

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O Rock in Rio é um festival de música em que a música importa menos que a "experiência" de ir ao festival. E quem afirma isso não é nenhum detrator do evento, mas o próprio criador do Rock in Rio, o publicitário Roberto Medina.

"Nas pesquisas, 50% das pessoas dizem que vão pela banda e 50% pelo evento. Não é verdade. Elas vão 100% pelo evento. O Rock in Rio no Brasil está consolidado, ele esgota de qualquer jeito antes de abril. Quatrocentas mil pessoas vão comprar bilhetes sem saber nada sobre o que vai tocar lá", disse Medina à Rádio Renascença, de Portugal.

À revista Época Negócios, Medina afirmou: "As pessoas não vêm pela banda. As pessoas vêm pela energia e pela experiência que elas vivem aqui. É muito comum encontrar gente na rua que não sabe em qual dia foi ao Rock in Rio. Ele só sabe que já foi ao evento, mas nem sabe quem estava tocando".

Roberto Medina criou o sonho dourado de qualquer publicitário dono de festival —um evento que independe das atrações musicais e esgota os ingressos não importa quem estiver tocando. Isso é ótimo para as finanças do festival, mas péssimo para a música.

Há pelo menos duas décadas, o Rock in Rio tem muito mais importância corporativa e turística do que credibilidade artística. É um evento gigante e que atrai centenas de milhares de turistas ao Rio de Janeiro, lota hotéis e incrementa a economia local.

Mas pergunte a qualquer fã de música qual foi o show mais memorável que viu no festival, e é difícil que alguém escolha algum artista ou banda que veio depois de 2001, último ano em que o evento teve um line-up realmente de qualidade, abarcando vários gêneros.

Naquele ano, os destaques internacionais foram Sting, James Taylor, Guns N’ Roses, Foo Fighters, R.E.M, Neil Young, Beck, Oasis, Britney Spears, N’Sync, Iron Maiden, Sheryl Crow, Dave Matthews e Red Hot Chili Peppers.

Talvez alguém escolha Stevie Wonder ou Elton John, que vieram em 2011, ou Bruce Springsteen, que tocou em 2013, mas é inegável que os anos de ouro do festival, em termos artísticos, foram as três primeiras edições, em 1985, 1991 e 2001.

O que nos leva à programação do Rock in Rio em 21 de setembro de 2024.

Nesse dia, o festival dividiu o Palco Mundo em quatro shows: "Pra Sempre Rock", "Pra Sempre Sertanejo", "Pra Sempre MPB" e "Pra Sempre Trap". A porção rock do dia terá Capital Inicial, Detonautas, NX Zero, Pitty, Rogério Flausino e Toni Garrido.

A divulgação está vendendo o evento como "um encontro inédito de grandes artistas do rock para celebrar a nossa música e inspirar mudanças positivas que contribuam para um mundo melhor". O que ninguém explica é como ver o Detonautas tocando com Toni Garrido vai contribuir para um mundo melhor.

Isso não é uma programação, mas um catadão de artistas conhecidos feito unicamente para agradar a um público que, o próprio dono do festival diz, nem sabe quem está tocando e, se sabe, não se importa muito.

Nada contra os artistas escolhidos, são nomes fortes do pop rock brasileiro, mas é difícil crer que algum deles se sinta artisticamente realizado ao tocar como música de fundo num parque de diversões enquanto a multidão anda de roda-gigante, pula na tirolesa e se engalfinha para conseguir um boné de um patrocinador que vende a ilusão de um "mundo melhor".

Se o criador do evento não liga tanto assim para a música, por que fãs de música deveriam ligar para o evento? Hoje, o Rock in Rio parece interessar muito mais a cadernos de turismo, economia e fofoca —"viram a celebridade no camarote da marca tal?"— do que aos críticos de música. Sinal dos tempos.

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