Peço licença para discordar da opinião do colunista Mario Sergio Conti sobre a obra de José Mojica Marins, o Zé do Caixão.
"Não acredite nos críticos americanos que puseram José Mojica Marins num altar", escreve o colunista. Na verdade, a crítica americana descobriu a obra de Mojica tardiamente, nos anos 1990, quando os filmes do cineasta foram lançados em vídeo nos Estados Unidos.
Mojica filmou sua —vá lá— obra com insuperável desmazelo, e não há restauração que lhe dê jeito. Seu filme menos abrutalhado é "A Meia-Noite Levarei tua Alma", no qual estreia Zé do Caixão, um ectoplasma de unhas longas e ideias curtas.
Bem antes disso, na década de 1960, foram críticos e cineastas brasileiros, como Salvyano Cavalcanti de Paiva, Luís Sergio Person, Rogério Sganzerla, Carlos Reichenbach, Glauber Rocha e Jairo Ferreira que perceberam a genialidade de Mojica.
Depois disso vieram os espanhóis, que homenagearam Mojica no Festival de Sitges em 1974 e promoveram o encontro dele com Salvador Dalí e Christopher Lee. Depois dos espanhóis, foram os franceses e italianos, até chegar, na década de 1990, aos americanos, onde Mojica foi celebrado por artistas como Roger Corman, Joe Dante, Paul Schrader, Tom Savini e John Waters. Quando veio ao Brasil, Tim Burton fez um pedido: queria conhecer Mojica.
O texto de Conti comete, na minha opinião, um pecado grave ao acusar Mojica de "desmazelo" ao filmar. Mojica nunca teve nada de descuidado, muito pelo contrário. A verdade é que poucos cineastas na história do cinema conseguiriam fazer tudo que ele fez com tão poucos recursos.
Mojica nunca recebeu grana estatal e produziu seus muitos filmes fazendo rifas, vendendo cotas e pegando dinheiro emprestado com qualquer um. "À Meia-Noite Levarei Sua Alma", de 1964, é um filme de 84 minutos realizado em 13 dias com um total de 110 minutos de negativo. Um cineasta "desmazelado" não teria conseguido fazer isso.
Para fazer o pântano de "Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver", de 1967, Mojica e sua trupe cavaram um buraco no quintal do estúdio, o encheram de água e decoraram o cenário com árvores e galhos. Glauber Rocha disse que nunca tinha visto nada igual. O "inferno de gelo" do filme foi feito com pipoca. Frank Henenlotter, diretor do cult movie "Basket Case", definiu a cena como "uma das mais impressionantes do cinema fantástico".
Não há nada de "desmazelo" nos filmes de Zé do Caixão, apenas a criatividade de um autor que, sem nada, criou uma obra única e atemporal. Ninguém é obrigado a gostar dos filmes de Mojica (a censura militar não gostou, tanto que retalhou e proibiu vários filmes do cineasta), mas é impossível não perceber ali a visão de um criador.