Análise: Saída de dólares inesperada, perdas com títulos do governo e robôs: o dia de pânico no mercado

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Por que o preço do dólar e as taxas de juros de mercado deram saltos ainda maiores nesta terça-feira (17) de quase pânico? O pano de fundo (ou grande ruído de fundo) é o problema das contas do governo e, em grau menor, dúvidas a respeito da aprovação do plano de contenção de despesas de Lula-Haddad, ora no Congresso. Mas tem havido mais.

Especificamente, o problema estaria no agravamento dos problemas dos dezembros habitualmente secos de dólares, no efeito de perdas grandes devidas à desvalorização dos títulos da dívida do governo e até na atuação de "robôs" (operações automatizadas) que dão impulso à volatilidade já agora aumentada.

Pessoas envolvidas com grandes operações no mercado financeiro ou com conhecimento delas dizem que o fluxo de saída de dólares neste dezembro tem sido muito maior do que o esperado. Nesta época do ano, grandes empresas e instituições financeiras fazem grandes remessas para o exterior —podem ser dividendos, lucros, ou outras operações.

O que teria havido de diferente neste dezembro de 2024? Há hipóteses. Para haver precisão no diagnóstico, seria preciso fazer um "censo" da atitude das companhias.

Uma hipótese é que, dado o crescimento da economia e bons resultados das empresas, haveria mais dinheiro a ser remetido (mais compras de dólares). Especula-se também que empresas podem estar se antecipando a um possível aumento de impostos sobre dividendos, direto ou indireto (via Imposto de Renda sobre pessoas de renda mais alta, como anunciado pelo governo em novembro).

O Banco Central atuou com o objetivo de fornecer "liquidez" (dinheiro, dólares, no caso) a fim de evitar altas ainda maiores, mesmo que pontuais, do dólar devidas a uma procura sazonal, de época, maiores do que a esperada. Neste ambiente "seco", remessas de grandes empresas podem fazer um estrago.
Essa pressão advinda de remessas maiores tenderia a passar ou diminuir em janeiro (embora outros fatores de pressão possam continuar ou aumentar).

No mercado de juros, muita gente tem perdido muito dinheiro. Quem tinha títulos prefixados ou também de prazo mais longo a juros mais baixos teve perdas, dadas as altas recentes e grandes das taxas de juros no mercado. Mais gente temia ter perdas ainda maiores. Procuravam proteção no dólar.

Taxa de juros mais baixa quer dizer preço de título mais alto. Se os juros sobem, o preço do título cai (dois modos de dizer a mesma coisa). Quem precisa, por algum motivo, vender ou registrar essa perda, pode ter problemas.

Uma hipótese aventada em especial por quem está no comando de operações financeiras e até por gente do governo é que não há "porta de saída" (para quem quer vender títulos), o que pressiona ainda mais as taxas de juros para cima. Quem quer vender, não encontra comprador. Operações a fim de se proteger da variação do dólar (com juros) entram no rolo. A confusão, quase pânico nesta terça-feira, aumenta. "Robôs" (operações automatizadas, de alta frequência) amplificam a volatilidade, as variações frequentes de preços e taxas, pois são "programados" para procurar ganhos com a volatilidade.

O Tesouro Nacional anunciou no final do dia que passaria a comprar títulos desvalorizados (a preço menor) a fim de diminuir a tensão (ou "trocar", na prática, por outros títulos a preços e prazos diferentes, talvez atrelados à Selic). No início da epidemia de Covid, em 2020, com pânicos grandes também no mercado financeiro dos Estados Unidos, o Tesouro Nacional recomprou títulos.

A hipótese de que as perdas com títulos agravaram também (e pontualmente) a situação do mercado de câmbio (de dólares) é uma hipótese razoável, segundo autoridades econômicas do governo. É uma hipótese, porém.

De resto, a crise poderia não ser pontual. Não há medida precisa de perdas e do tamanho e extensão do "estresse" no mercado (se envolveria várias instituições). Na avaliação de quem defende a medida, seria o caso de fazer um teste (recompra de títulos pelo Tesouro) a fim de avaliar a extensão do problema e, se for o caso, atenuá-lo.

De qualquer modo, assim como tem acontecido nas intervenções do Banco Central no dólar, não se trata de providência com o objetivo de limitar ou fixar taxas e preços (de dólar e juros), de modo algum, mas de aliviar a situação de um mercado dito "disfuncional".

Supondo que dezembro tenha sido um mesmo de agravamento mais pontual de condições financeiras já ruins, o que pode evitar a degradação contínua do ambiente?

Em primeiro lugar, mesmo na visão de autoridades econômicas, seria preciso que o governo deixasse de criar tensões gratuitas, como dizer que o presente e grave tumulto é um "ataque especulativo", pirraça de "o mercado" ou que o "único" problema do país é a Selic a 12%. Segundo, mostrar que tem consciência do problema fiscal e dos seus efeitos sobre juros e câmbio.


Terceiro, mais importante, o próprio presidente da República teria de demonstrar que tem consciência do problema fiscal e avisar que seus ministros vão preparar novas medidas de contenção de despesas. As medidas, claro, não podem ser para inglês ver ou mera conversa. Em resumo, o novo pacote deveria prever que quase qualquer despesa do governo não possa crescer mais do que o ritmo previsto pelo arcabouço fiscal, as de saúde e educação inclusive. De preferência, seria preciso desvincular o reajuste do piso da Previdência do reajuste do mínimo —neste caso, parece muito improvável.

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