Análise: Nobéis do Google são prenúncio de crise das universidades

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David Baker foi premiado pela síntese de proteínas inexistentes na natureza, utilizando um software desenvolvido especificamente para essa finalidade, enquanto Demis Hassabis e John Jumper foram reconhecidos pelo AlphaFold 2, uma inteligência artificial capaz de prever a estrutura tridimensional dessas mesmas macromoléculas, aplicando princípios da área de jogos.

Na Física, o prêmio também destacou avanços na ciência da computação, laureando John Hopfield e Geoffrey Hinton por suas contribuições fundacionais à inteligência artificial. A premiação gerou críticas de físicos mais puristas e alimentou debates sobre a originalidade da dupla, dado que existem versões anteriores das técnicas que levaram à sua consagração, como redes de Hopfield, máquina de Boltzmann e backpropagation.

"O Nobel de Física de 2024 premia plágio e atribuição incorreta em ciência da computação", afirma Jürgen Schmidhuber, figura histórica da IA, sob o descrédito da maioria. O cientista alemão é um dos criadores da técnica de processamento de linguagem mais importante até o surgimento do ChatGPT.

A celebração do papel da IA na ciência não é a única convergência entre os dois prêmios. Hinton foi vice-presidente do Google Brain (2013-2023), enquanto Hassabis é o CEO da DeepMind, adquirido pelo gigante das buscas em 2014, onde o também laureado John Jumper lidera uma das divisões.

Se isso não basta para da um ar de máfia a essas relações —no sentido da máfia do Paypal e não da Cosa Nostra, acrescente o fato de que Hassabis é neto acadêmico de Geoffrey Hinton, tendo sido orientado por um de seus ex-alunos no pós-doutorado.

Essas associações levam a duas hipóteses: (1) o Google é preciso na identificação e captação dos pesquisadores de maior potencial; e (2) a iniciativa privada tornou-se o grande polo de atração para as mentes mais brilhantes dessa área basilar para a maioria das outras. Ambas estão corretas.

A revolução no consumo de IA que estamos vivenciando é impulsionada por chatbots que utilizam autoatenção (LLMs), tecnologia desenvolvida inicialmente nos laboratórios do Google e posteriormente incorporada pela OpenAI, criadora do ChatGPT. A promessa de liberdade criativa bem remunerada impulsiona o recrutamento de talentos pela empresa, resultando em avanços excepcionais como este.

Ao mesmo tempo, há uma barreira de entrada cada vez maior para o desenvolvimento da ciência básica em IA, o que influencia o planejamento de carreira dos novos pesquisadores. Mesmo as universidades mais renomadas do mundo não conseguem competir com as big techs, o que curiosamente as aproxima das nossas, perenemente limitadas pela falta de grana.

"Os recursos estão cada vez mais concentrados nas mãos das grandes empresas de tecnologia, que exercem um controle desproporcional sobre o ecossistema de desenvolvimento da IA", declarou a governadora de Nova York, Kathy Hochul, por meio de seu escritório. Recentemente, o estado lançou um polo conector de suas principais universidades, que conta com um vasto cluster de servidores e outros dispositivos voltados à IA.

Iniciativas como essa são encorajadoras e precisam ser adotadas por aqui o quanto antes. No entanto, é preciso ter em mente que estão longe de reestabelecer o equilíbrio de forças que existia entre empresas e universidades até a década passada. Além do custo de treinar novas IAs ser astronômico, o acesso a hardwares de última geração está cada vez mais competitivo.

O resultado é uma redefinição de papéis até há pouco inimaginável. Os laboratórios acadêmicos estão se concentrando na criação de aplicações de "segunda camada" —como chatbots que ajudam a programar, diagnosticar ou combater a solidão— a partir de descobertas mais fundamentais feitas pelas grandes empresas.

Essa mudança, somada à perda de valor dos diplomas e à proliferação de assistentes de ensino com IA em ambientes imersivos, sugere que, sem medidas mais críticas e ousadas, as universidades se tornarão cada vez menos relevantes. Tanto aqui quanto no resto do mundo.

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