Análise: Maggie Smith fez teatro e cinema com a mesma grandeza, digna e franca

há 3 meses 4

Morreu hoje em Londres, aos 89 anos, a atriz Maggie Smith. Ganhadora de dois prêmios Oscar, seis Bafta, três Emmys e um Tony —este, o correspondente no teatro dos Estados Unidos ao Oscar no cinema—, ela integra a galeria das grandes atrizes britânicas que se dedicaram tanto ao teatro como ao cinema com igual desenvoltura e desempenhos que se tornaram célebres a ponto de ela ser elevada em 1990 a dama do Império Britânico, pela rainha Elizabeth 2ª.

Maggie Smith estava longe de ser uma solteirona quando ganhou o seu primeiro Oscar, o de melhor atriz, por "A Primavera de uma Solteirona", de 1969 —título em português de "The Prime of Miss Jean Brodie". Aliás, estava casada com o ator Robert Stephens desde 1967 —o divórcio se daria em 1975.

O fato é que lá estava na pele da professora de uma escola para moças que precisa defender seu emprego por conta de suas ideias liberais.

Ali já foi capaz de fixar a imagem de pessoa digna, simpática e franca, mas também exigente que marcaria sua carreira no cinema. No teatro foi onde ela começou, como boa atriz britânica, até se sagrar como a maior de sua geração.

Nascida em 1934, em Ilford, Inglaterra, ela estuda arte dramática a partir de 1950 e em 1956 consegue seu primeiro contrato profissional.

As coisas andariam bem para ela, contratada pelo Old Vic Theatre de Londres, onde teve a ocasião de participar de montagens da obra de Shakespeare. Em 1960, substitui Joan Plowright na montagem de Orson Welles de "O Rinoceronte", de Eugène Ionesco, onde atuou ao lado de Laurence Olivier.

Algum tempo depois será convidada por Olivier para compor a trupe do Royal National Theatre, onde ela ficaria até 1970 após uma dezena de grandes papéis, da comédia do irlandês George Farquhar ao drama da Desdêmona, do "Otelo" de Shakespeare, que podemos ver na versão filmada em 1965.

Já era uma estrela, sem dúvida, mas as estrelas de teatro britânicas transitam muito bem da cena para o cinema, o que Smith fez desde 1958.

Lá, trabalhou com Anthony Asquith, Joseph L. Mankiewicz, George Cukor —em "Viagens com Minha Tia", de 1972—, Franco Zeffirelli —"Chá com Mussollini", de 1999. Mas, com Oscar e tudo, estava longe de ser a celebridade que se tornou no século 21.

Era uma atriz capaz de entrar com força em sucessos como "Morte Sobre o Nilo", de John Guillermin, de 1973, ou "Califórnia Suite", de 1978, que, aliás, lhe deu um Oscar de melhor atriz coadjuvante. Não falemos das indicações, foram várias.

Parece até ao virar o século, Maggie Smith estava pronta para ser a senhora britânica típica, altiva, com frequência trazendo um saber feito de experiência e percepção aguçada. Pode-se dizer que essa fase se consagra em 2001, com "Assassinato em Gosford Park", de Robert Altman.

Ao mesmo tempo, em paralelo ao trabalho com grandes autores, teria uma espécie de renascimento de sua popularidade a nível global ao interpretar a professora McGonagall, presença marcante na escola de bruxos de "Harry Potter e a Pedra Filosofal", também de 2001.

O blockbuster dirigido por Chris Columbus abriu a vasta série de filmes dedicados às aventuras colegiais do jovem aluno de bruxarias, seus amigos e também inimigos. Seriam mais dez anos na franquia, até o final em "Relíquias da Morte".

Foi um feito que, apesar da insatisfação pessoal com o trabalho e os assédios —e na boa tradição britânica— mostrou sua habilidade em ser magistral em qualquer papel que topasse. E nunca deixou de lado o teatro.

Só em 1970, levando seu Oscar por "A Primavera de uma Solteirona" novo em folha de Los Angeles, esteve em "Hedda Gabler", de Ibsen, com montagem de Ingmar Bergman, e em "As Três Irmãs", de Tchékhov, mise-en-scène de Laurence Olivier.

Maratonar

Um guia com dicas de filmes e séries para assistir no streaming

Mesmo quando morou no Canadá, entre 1975 e 1980, em vista do segundo casamento, com o roteirista Beverley Cross, não interrompeu seu trabalho no teatro. Nem no cinema.

Com prêmios, "Harry Potter" e tudo mais, Maggie Smith disse que levava uma vida sossegada, fazia compras, passeava por Londres e tudo mais até que série "Downton Abbey" entrou na sua vida —onde expôs ao mundo seu olhar de ironia e superioridade— e, via televisão ou canais de streaming, na de muitos espectadores pelo mundo afora.

Entre 2010 e 2015 ela interpretou a condessa de Grantham, Violet Crawley, nessa série ambientada no início do século passado sobre uma família aristocrática britânica, que alcançou sucesso mundial. Maggie Smith voltaria ao papel nos dois filmes feitos, em 2019 e 2022, sobre os Crawley.

Em 2015, voltaria a protagonizar "A Senhora da Van", no filme inspirado na peça de Alan Bennett, montada com Smith em 1999, autor de quem se tornou uma espécie de especialista ao longo da carreira —em particular a partir do filme "Meu Reino por um Leitão", de 1984, seguido dos monólogos "Talking Heads", escritos para a televisão britânica.

A atriz sobreviveu ao diagnóstico de mal de Basedow, em 1988, doença autoimune que a forçou a uma operação dos olhos e a um tratamento radioterápico. Em 2007, um câncer no seio a força a um tratamento quimioterápico doloroso, que faz em plena filmagem de um dos filmes da série "Harry Potter".

Sua morte, acontecida pela manhã no Chelsea and Westminster Hospital, em Londres, foi anunciada à imprensa por seus dois filhos, Chris Larkin e Toby Stephens.

Leia o artigo completo