Na banca da dona Ana, que fica ao lado da estação de metrô República, em São Paulo, a edição brasileira da Vogue de novembro está esgotada há dias. O motivo do interesse redobrado pela revista está na figura da atriz Fernanda Torres, estampada na capa.
Desde que o filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles, foi aplaudido por longos minutos no Festival de Veneza, em setembro, e especialmente a partir de sua estreia no Brasil, neste mês, cresce a atração do público pela história de Eunice Paiva, mãe do escritor Marcelo Rubens Paiva, e seu marido, morto pela ditadura militar no início dos anos 1970. O filme, comovente, tem sido amplamente reconhecido e premiado.
No corpo a corpo para a divulgação do longa-metragem, Fernanda tem trabalhado intensamente, cumprindo um calendário de eventos sociais. Nessas ocasiões, seus looks elegantes e bem pensados têm chamado a atenção.
A profusão de tapetes vermelhos cria situações para que se evidencie o poder político da aparência e da moda. É na dimensão pública da existência que a vida material manifesta toda a sua força. A moda se faz nas ocasiões, nas escolhas que elegemos a cada ato de vestir.
Para realizar essa tarefa, Fernanda conta com o trabalho do stylist Antonio Frajado, que a acompanha há anos. Ao fazer parte do circuito de festivais e eventos internacionalmente visados, sua aparência se torna um instrumento político que representa não apenas Eunice Paiva, a heroína silenciosa da tragédia brasileira, mas, também, um país todo.
Fernanda está consciente da importância do papel da moda e de suas nuances: "Tenho que ser fiel a Eunice. Ela foi uma mulher discreta. Estou ali para honrar sua história e representar o filme. Quando fui fazer Eunice, lembrei algo que mamãe sempre me dizia: você não pode, numa tragédia, começar a chorar na primeira cena. A tragédia é uma coisa que você introjeta, é algo maior que o mundo, maior mesmo que a capacidade de chorar aquela dor".
Nos visuais de Fernanda, há algo do drama contido que está presente em sua atuação e na maneira como o filme foi conduzido por Walter Salles. Por exemplo, a altura das saias e dos vestidos criados por Reinaldo Lourenço ou Nicolas Ghesquière —para a Louis Vuitton— nunca ultrapassa os joelhos, o que valoriza a sensualidade dos tornozelos; muitas vezes a alfaiataria rigorosa de suas roupas, modelos escolhidos de Marc Jacobs, Max Mara, Bottega Veneta, é surpreendida por um decote mais aprofundado, um pedaço de pele inusitado ou tecidos transpassados.
Há a predominância de cores neutras e escuras —preto, azul marinho, branco. Mesmo as roupas estampadas têm o fundo preto, como o macacão Zero + Maria Cornejo que Fernanda adora. É de uma elegância severa a combinação do azul marinho com o preto no tapete vermelho em Veneza, ocasião em que usou vestido longo azul marinho Alexandre Herchcovitch e sapato de bico fino preto. Os sapatos, aliás, são um espetáculo à parte. Vale a pena prestar atenção.
Nas capas que a Vogue preparou, Fernanda posa como diva, e a maquiagem, seus olhos de Cleópatra, faz referência a "uma beleza que foi usada por sua mãe no teatro na década de 1950". O look Dior escolhido para a cerimônia do Governors Awards na última semana acompanha esse estilo. A fotografia de Fernanda publicada no Instagram da Academia de Hollywood já é uma das mais curtidas do perfil.
O vestido Dior é uma roupa simples e luxuosa que transmite a ideia de um casulo e dá ao corpo a imagem de um objeto protegido. A transparência do tecido e a gola, adornada com pérolas, reforçam um traço orgânico do visual. Foi a própria forma do vestido que incentivou Fernanda a apoiar a mão no colo, num gesto que remonta às suas palavras numa entrevista sobre Eunice Paiva: "Procurei colocar em cena o feminino que ela é". "Ela segura e avança, segura e avança. É um filme sobre silêncios."