Análise: Fernanda Torres tem boas chances no Oscar, apesar de Demi Moore

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Fernanda Torres atingiu outro feito histórico ao ser indicada ao Oscar de melhor atriz, após se tornar a primeira brasileira a levar para casa o Globo de Ouro. Sua oficialização na corrida intensificou o clima de Copa do Mundo entre os brasileiros, que alimentam a esperança de vencer a estatueta mais cobiçada do cinema pela primeira vez.

As chances de Torres são as melhores que o Brasil já teve —prova disso é que a protagonista de "Ainda Estou Aqui" foi eleita em detrimento de nomes como Nicole Kidman, premiada no Festival de Veneza pelo erótico "Babygirl", que muitos consideraram o maior papel de sua carreira. Outro rosto ausente foi o de Angelina Jolie, que viveu a soprano Maria Callas no filme biográfico de Pablo Larraín. Ao contrário de Kidman, porém, o resultado não foi uma surpresa, diante da recepção morna do filme pela crítica.

Mas o páreo não é fraco. A maior ameaça para Torres é a veterana Demi Moore, que fez um retorno triunfal aos holofotes em "A Substância" após anos relegada a papéis menores em comédias e "filmes pipoca", como ela mesma definiu no seu comovente discurso no Globo de Ouro. "Faço isso há 45 anos e é a primeira vez que ganho alguma coisa como atriz", afirmou na cerimônia, ovacionada pelos presentes.

Prestigiada até então como a mocinha de "Ghost", Moore encarna, no corajoso e visceral "body horror" de Coralie Fargeat, uma atriz que, após ser demitida por ser considerada velha demais, toma uma substância que cria uma versão sua mais jovem e perfeita.

Sem medo de ser infame e absurdo, o filme critica o machismo que condena as mulheres depois de seus 40 anos. A trama não só se relaciona com a trajetória de Moore, como triunfou em uma temporada povoada por filmes centrados em histórias de mulheres, sobretudo de meia-idade.

Em outro canto do ringue, "Anora", de Sean Baker, esnobado pelo Globo de Ouro, volta a ganhar força no Oscar com seis indicações, incluindo melhor filme e melhor atriz para Mikey Madison. Com 25 anos, ela vive uma jovem prostituta que se apaixona pelo filho de um oligarca russo e é a candidata ao prêmio com o currículo menos sólido. Mas tem a seu favor a chancela do Festival de Cannes, que deu a Palma de Ouro ao longa de Baker.

Quem levou o prêmio de melhor atriz na Riviera Francesa foi Karla Sofía Gascón, ao lado de Zoe Saldaña, Selena Gomez e Adriana Paz, pelo seu papel em "Emilia Pérez", de Jacques Audiard, o maior rival de "Ainda Estou Aqui". Com a indicação ao Oscar, Gascón se tornou a primeira atriz transgênero a concorrer no maior prêmio do cinema americano.

O olhar do Oscar para a diversidade, porém, não é garantia de vitória. No ano passado, Lily Gladstone foi a primeira indígena a concorrer ao prêmio de melhor atriz pela sua performance austera e devastadora em "Assassinos da Lua das Flores", de Martin Scorsese, um retrato do genocídio dos indígenas osages nos Estados Unidos. Acabou perdendo para Emma Stone, em "Pobres Criaturas".

Pesa também que o musical de Audiard esteja envolvido em uma série de polêmicas que podem enfraquecer sua campanha pelas estatuetas. Entre elas, estão reclamações da comunidade trans sobre a representação da transição da protagonista e, ainda, a falta de atrizes mexicanas em um filme ambientado no país —a própria Gascón é espanhola.

Já Cynthia Erivo deu um show de habilidades em "Wicked", com canto, dança, atuação e até piruetas no ar. Ainda que a performance tenha sido aclamada pela crítica, a Academia costuma reprovar blockbusters como esse.

Nesse embate, Torres pode surgir como um meio de campo para os votantes. A interpretação de Eunice Paiva tem encantado o público e a crítica internacional pelas suas sutilezas e silêncios. O filme traduz uma urgência política em gestos melodramáticas e universais, de uma mãe e esposa em frangalhos, tentando manter toda a sua família unida.

Há ainda o fator histórico. A filha sucede a mãe, Fernanda Montenegro, 26 anos após "Central do Brasil" projetar o Brasil para o cinema mundial. A indicação faz pensar que a cultura brasileira é admirada pelos estrangeiros, no momento em que o cinema nacional volta a se fortalecer.

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