Análise: Boni, ex-diretor da TV Globo, revela orgulho e mágoa em seu novo livro

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Um dos criadores da televisão brasileira aberta tal como a conhecemos hoje, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho anunciou sua aposentadoria em junho. Aos 88 anos (faz aniversário em 30 de novembro), ele se afastou formalmente do dia a dia da TV Vanguarda, emissora de sua propriedade, afiliada da Globo na região do Vale do Paraíba, em São Paulo.

Na sequência, lançou "O Lado B de Boni", um livro de memórias destinado a apresentar uma versão definitiva sobre o que criou, viveu e testemunhou ao longo de mais de 70 anos de carreira.

A tarefa de comentar esta obra não é nada simples porque se trata do terceiro livro de memórias que Boni publica no intervalo de 13 anos.

A memorialística teve início com "O Livro do Boni", publicado em 2011, no qual ele descreve a sua trajetória, da infância à saída da Globo. Em 2015, publicou "Unidos do Outro Mundo", em que se imagina morto e conversa, em outra dimensão, com parentes, amigos e colegas que já não estão entre nós.

Por fim, no recém-lançado "O Lado B de Boni", ele revê episódios narrados nos dois livros anteriores, acrescenta detalhes sobre personagens pouco citados antes, altera versões de histórias e, de braços abertos, faz elogios a centenas de pessoas (parei de contar em 245) com quem conviveu profissionalmente.

"É basicamente um livro de agradecimento aos sonhadores que fizeram a televisão brasileira ser reconhecida como uma das melhores do mundo", escreve.

Não é possível compreender inteiramente este último livro sem voltar, eventualmente, aos dois primeiros. Observando como Boni corrigiu, reescreveu, acrescentou ou apagou determinados fatos ou personagens ajuda a entender melhor o autor. Para facilitar a vida do leitor, vou me referir aos primeiros dois livros como Boni 1 e Boni 2.

Do estágio, ainda adolescente, na rádio Roquete Pinto, sob a supervisão de Dias Gomes, até a chegada na Globo, em 1967, Boni acumulou inúmeras experiências em rádios e em agências de publicidade. Também passou por emissoras de televisão, como a TV Paulista, Excelsior e Tupi, quase sempre em funções que tinham mais relação com a forma do que com o conteúdo.

No seu último trabalho antes de rumar para a Globo, tentou fazer da Tupi uma rede de TV integrada, de fato, mas não conseguiu. Mas levou esta visão para a emissora carioca e, com a ajuda do governo militar, que garantiu a tecnologia necessária, estabeleceu o canal de Roberto Marinho como uma rede nacional de televisão.

Quando Boni chega ao Jardim Botânico, a Globo ainda enfrentava a CPI que investigou a legalidade do acordo com o grupo americano Time-Life. Em Boni 1, o tema é minimizado, como uma questão técnica, mas agora, no novo livro, Boni afirma que era "um contrato ilegal".

Também chama a atenção o fato de Boni, somente agora, observar que a equipe que colocou a TV Globo no ar, em 1965, era liderada majoritariamente por militares, incluindo o diretor de programação, capitão Abdon Torres. "Não sei até hoje quais influências levaram o Roberto Marinho a se cercar de um núcleo que jamais havia atuado na televisão", observa.

Tema dos mais sensíveis na trajetória de Boni é a demissão de Walter Clark, decidida por Roberto Marinho, em 1977. Em suas memórias, Clark diz que se sentiu traído pelo amigo e subordinado, que havia contratado dez anos antes.

Boni refuta a acusação nos três livros. Em Boni 1, chega a falar de abuso de drogas e álcool e da "vaidade sem limites" de Clark. Em Boni 2, ele diz: "Você traiu a si mesmo, Walter!" No livro atual, o tom é bem mais ameno e Boni reconhece que também errou no episódio.

Três figuras, tratadas sem maior destaque nos dois primeiros livros, são reabilitadas em "O Lado B". Renato Aragão, que havia merecido apenas dois parágrafos na primeira autobiografia, agora ganha um capítulo com duas páginas.

Mais significativa ainda é a promoção que ganham Cassiano Gabus Mendes e Nilton Travesso. O primeiro "deu a partida, praticamente sozinho, na televisão brasileira". O segundo "escreveu boa parte da história da televisão no Brasil".


Sobre Daniel Filho, mais uma vez reverenciado, Boni resume: "A verdade é que ninguém na televisão brasileira conseguiu fazer mais produtos que o Daniel, e todos diversificados e de altíssima qualidade".

Maestro criativo, mas severo, Boni afirma que sempre agiu movido por dois princípios básicos: "Liberei as equipes para que, no processo de tentativa e acerto, não tivessem medo do erro. Mas também deixei claro que os erros operacionais teriam tolerância zero".

Orgulhoso, com boas razões para isso, lambe as suas muitas crias ao longo de todo o livro, sempre enfatizando o seu papel como criador, idealizador, descobridor e incentivador. Por outro lado, ainda hoje. lamenta que recomendações suas não tenham sido levadas em conta depois que sua influência diminuiu.

Como já havia reconhecido antes, Boni se orgulha até de ter dado orientações a Fernando Collor sobre como o candidato à presidente deveria se portar no debate com Lula, em 1989. "O Collor insiste que isso não aconteceu, mas há testemunhas", escreve.

Após 31 anos, Boni foi afastado do poder na Globo em 1998. É um episódio mal digerido até hoje, um quarto de século depois. Em Boni 1, ele reclama da forma como Roberto Irineu Marinho, filho de Roberto Marinho, geriu a sua saída. "Combinamos que trocaríamos cartas civilizadas e, no dia seguinte, fui surpreendido com uma matéria vil e infame no Globo sem a menor consideração pela contribuição que dei à empresa."

No novo livro, Roberto Irineu não é citado, mas a mágoa permanece. "Depois de 31 anos de trabalho para construir a TV Globo, fui barrado no baile. Ou melhor: fui expulso da sala". Em tom de lamentação, acrescenta: "Eu não saí mal como Walter Clark saiu. Não fiz besteiras, nem havia brigado com ninguém". Cita também o americano Joe Wallach, outro importante executivo da emissora. "Quando foi embora, mereceu até um grande almoço de despedida."

Para compensar, lembra que quase todos os programas que criou, tanto de entretenimento quanto de jornalismo, permanecem no ar até hoje. Não é pouca coisa.

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