'Alienígenas do mar' podem fundir seus corpos e sistemas nervosos

há 2 meses 9

As águas-vivas-pente são algumas das criaturas mais estranhas da Terra. "Elas são os alienígenas do mar", afirma o neurocientista Leonid Moroz, do Laboratório Whitney para Biosciência Marinha em St. Augustine, Flórida.

Esses "alienígenas" pertencem ao ramo mais antigo da árvore genealógica animal. Eles se separaram dos ancestrais de todos os outros animais vivos há cerca de 700 milhões de anos e seguiram seu próprio caminho evolutivo desde então. Estudos de Moroz e outros pesquisadores sugerem que as águas-vivas-pente evoluíram seu próprio sistema nervoso, bem como seus próprios músculos e trato digestivo, com dois ânus.

Mas um estudo publicado no início deste mês deixa claro que os cientistas mal começaram a entender a biologia bizarra dessas criaturas. Pesquisadores descobriram que um par de águas-vivas-pente não relacionadas podem se fundir espontaneamente em um único corpo. Essa capacidade surpreendente não só levanta mais questões sobre esses animais mas também dá pistas sobre a evolução do nosso próprio sistema imunológico.

"Isso abre uma caixa de Pandora", diz Moroz, que não estava envolvido na pesquisa.

A caixa foi aberta acidentalmente por Kei Jokura, que estuda as águas-vivas-pente, também conhecidas como ctenóforos. Recentemente, o biólogo viajou para o Laboratório Biológico Marinho em Woods Hole, Massachusetts (Estados Unidos), para estudar como esses animais usam a luz para se orientar.

Todo dia, ele caminhava até o litoral e capturava águas-vivas-pente do tamanho de bolas de golfe pertencentes à espécie Mnemiopsis leidyi.

Uma noite, enquanto inspecionava sua última captura, notou que uma das águas-vivas-pente era duas vezes maior que as outras. Percebeu, então, que ela tinha duas bocas.

O biólogo pegou o animal do tanque com um béquer para mostrá-lo. "De repente, tarde da noite, Kei está dizendo: 'Há um ctenóforo estranho aqui que parece dois fundidos!'", lembra Mariana Rodriguez-Santiago, pesquisadora pós-doutorada da Universidade do Estado do Colorado.

Rodriguez-Santiago deixou de lado sua pesquisa com sapos para ajudar Jokura e outros dois cientistas a investigar aquela água-viva-pente. Uma inspeção detalhada confirmou que, na verdade, eram dois animais, porém pareciam se comportar como um só. Quando os pesquisadores cutucaram uma das águas-vivas-pente, ela contraiu seus músculos para escapar —e seu parceiro também fez o mesmo.

Os pesquisadores se perguntaram se poderiam criar mais águas-vivas-pente fundidas. Eles cortaram pedaços de tecido de dois animais e os mantiveram juntos durante a noite. Na manhã seguinte, eles haviam se fundido. Os pesquisadores repetiram esse experimento mais nove vezes. Em todas as tentativas, exceto uma, conseguiram fundir os animais.

Foram apenas duas horas para os animais se unirem e se comportarem como uma única criatura. Nadavam coordenando suas contrações, sugerindo que seus sistemas nervosos haviam se fundido. Quando Jokura e seus colegas puseram comida na boca de uma água-viva-pente, as partículas do alimento acabaram no intestino da outra.

As águas-vivas-pente podem se fundir graças à sua extraordinária capacidade de se recuperar de ferimentos, disse Casey Dunn, da Universidade Yale que não estava envolvido na pesquisa. Quando cortadas ao meio, elas se curam em duas horas e regeneram suas metades ausentes em dois dias. "Não me surpreende que pudessem se fundir", diz o biólogo.

Jokura, que hoje trabalha no Instituto Nacional de Biologia Básica em Okazaki, Japão, afirma que era impossível saber com que frequência as águas-vivas-pente se fundiam na natureza. Colocar duas delas feridas no mesmo tanque lotado pode ter criado as condições certas e raras para que se unissem.

Mesmo que isso se prove verdadeiro, Dunn diz, a descoberta ainda é significativa. "O fato de ser improvável ocorrer na natureza não diminui sua importância."

Isso porque outros animais não se fundem facilmente. Na verdade, os animais geralmente atacam tecidos estranhos assim que seus sistemas imunológicos os detectam.

Essa resposta mortal é a razão pela qual pacientes precisam tomar medicamentos imunossupressores para receber órgãos de outras pessoas. O fato de essa resposta ser tão comum no reino animal sugere que evoluiu centenas de milhões de anos atrás como algum tipo de mecanismo de defesa.

O novo estudo de Jokura sugere que as águas-vivas-pente não têm alo-reconhecimento. É possível que essa defesa tenha evoluído nos animais somente após as águas-vivas se ramificarem por conta própria há 700 milhões de anos.

Moroz alerta, porém, que as águas-vivas não eram fósseis vivos, inalterados desde tempos imemoriais. É possível que o alo-reconhecimento já tivesse evoluído em animais primitivos e que as águas-vivas tenham perdido isso centenas de milhões de anos depois.

Para testar essa possibilidade, será necessário estudar mais das 185 espécies que vivem em ambientes que vão dos oceanos polares aos mares tropicais. "Os ctenóforos provavelmente estão cheios de mais surpresas", afirma Moroz.

Leia o artigo completo