Para Robert F. Kennedy Jr., ativista escolhido pelo presidente eleito Donald Trump para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, a solução para a obesidade nos Estados Unidos –que atualmente afeta 40%– é simples: "A primeira abordagem deve ser o estilo de vida", afirmou ele a Jim Cramer em entrevista no dia 12 de dezembro à emissora CNBC.
Elon Musk, bilionário da indústria tecnológica que assessora o presidente eleito, enxerga o problema de outra forma: "Nada contribuiria mais para melhorar a saúde, a expectativa e a qualidade de vida dos americanos do que garantir que os inibidores do GLP tivessem um custo extremamente baixo para o público. Não há nada que chegue nem perto disso", escreveu na rede social X, referindo-se à nova classe de medicamentos que promovem a perda de peso, incluindo o Ozempic.
Nessas opiniões tão distintas de dois homens próximos de Trump estão as duas faces de um tema que desafia os pesquisadores de saúde e nutrição. É possível mudar o estilo de vida e o ambiente alimentar de tal modo que se resolva o problema da obesidade nos Estados Unidos? E, caso isso não seja viável, queremos de fato resolver esse problema submetendo milhões de pessoas a medicamentos potentes? Qual é o equilíbrio adequado entre essas abordagens?
Para muita gente, comer de maneira saudável é uma coisa mais fácil de ser dita do que feita. As empresas alimentícias saturaram os Estados Unidos e outros países com produtos que seduzem pelo preço e pelo sabor, aparentemente disponíveis em qualquer lugar e a qualquer hora.
Pesquisadores de obesidade suspeitam que o atual ambiente alimentar possibilitou que muitos americanos atingissem o maior peso corporal possível. Mas, pela primeira vez, há uma força contrária eficaz: medicamentos novos e potentes contra a obesidade, como o Wegovy e o Zepbound, que ajudam as pessoas a ignorar o apelo dos alimentos hipercalóricos e das porções generosas.
Para quem compartilha da opinião de Kennedy, é um erro usar produtos farmacêuticos para tratar a obesidade e os problemas associados a ela, que estão ligados a um estilo de vida pouco saudável e a um ambiente alimentar prejudicial.
Kennedy disse na Fox News antes das eleições que os fabricantes de medicamentos contra a obesidade "contam em vendê-los aos americanos, porque somos muito estúpidos e viciados em remédios". Mas muita gente como Musk, que afirma ter usado o Wegovy, aplaude o poder desses medicamentos novos para melhorar a saúde e enfrentar a aparente dificuldade de resolver a obesidade.
Diversos pesquisadores de saúde e nutrição dizem que adorariam que a obesidade pudesse ser tratada só com mudanças no estilo de vida, mas não são otimistas quanto a isso. Mencionam tentativas frustradas de ensinar as pessoas a mudar sua dieta e seus hábitos de exercício físico. Os resultados de muitos estudos frustraram suas esperanças e enfraqueceram seu entusiasmo.
Foi o caso com o diabetes. Em 1996, o Instituto Nacional de Saúde iniciou um estudo com milhares de pessoas que tinham risco de desenvolver diabetes tipo 2. Os pesquisadores orientaram esses participantes em um programa intensivo de dieta, aconselhamento e exercício. Funcionou tão bem que o estudo foi encerrado um ano antes do previsto. A intervenção reduziu em mais da metade as chances de desenvolver a doença.
O resultado foi tão significativo que Tommy Thompson, então secretário de Saúde e Serviços Humanos do presidente George W. Bush, juntou-se ao pesquisador principal do estudo, David Nathan, pesquisador de diabetes da Escola de Medicina de Harvard, para anunciar a pesquisa, em 2001, declarando ao país que esta provava que o diabetes poderia ser vencido. "Podemos derrotar essa doença. Basta dar voltas no quarteirão, caminhar durante 30 minutos todo dia. A prevenção funciona", afirmou Thompson na época.
Mas nem tanto assim. Na verdade, os casos de diabetes aumentaram desde que aqueles resultados foram anunciados, há 23 anos. Ao que parece, mudanças permanentes no estilo de vida não são fáceis de implantar. "O problema, claro, é que o ser humano aparentemente tem dificuldade de manter esses hábitos durante longos períodos", disse Nathan em entrevista recente.
Christopher Gardner, pesquisador de nutrição da Universidade Stanford, é um verdadeiro defensor do poder de uma dieta saudável. Conduziu diversos estudos, financiados pelo Instituto Nacional de Saúde, nos quais profissionais da área orientaram os participantes em suas escolhas alimentares ou, em alguns casos, forneceram refeições a eles. As pesquisas foram bem-sucedidas –a saúde dos participantes melhorou.
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Mas, segundo Gardner, quando as pesquisas terminaram e eles deixaram de receber a orientação ou as refeições, muitos, se não a maioria, voltaram aos hábitos alimentares antigos e todos os benefícios de uma dieta saudável desapareceram. "Sim, a dieta deveria ser a solução. Mas vai ser insuficiente, a menos que mudanças significativas sejam feitas em todo o sistema alimentar dos Estados Unidos", observou Gardner, que, há cinco anos, foi pago por um fornecedor de alternativas à carne para estudar seus produtos.
Há também o problema da genética, apontado por Jeffrey Friedman, pesquisador de obesidade da Universidade Rockefeller, em Nova York. Algumas pessoas têm uma predisposição genética à obesidade e vão ganhar peso sempre que a comida for barata e abundante. Ajustes como a redução no tamanho das porções ou mudanças na publicidade alimentar não são suficientes; se as pipocas fossem vendidas em pacotes menores, muitos simplesmente comeriam dois, afirmou ele.
Isso levou Friedman, assim como Gardner e Nathan, a concluir que a única maneira prática de melhorar a saúde das pessoas e ajudá-las a perder peso é recorrer aos medicamentos novos contra a obesidade.
Charles Burant, professor de medicina interna da Universidade do Michigan, simpatiza com a opinião de Kennedy de que o problema está no sistema alimentar. Lembrou-se de uma experiência com uma empresa alimentícia grande que demonstrou como pode ser difícil mudar os alimentos vendidos aos americanos. Teve a ideia de criar uma bebida saborosa contendo um aminoácido que, em sua opinião, poderia reduzir o apetite.
Por isso, entrou em contato com a empresa alimentícia e perguntou se ela poderia fabricar uma bebida assim, para que ele a testasse em um estudo. Depois de algum tempo, recebeu uma resposta: não fazia parte do plano de negócios da empresa desenvolver produtos que reduzissem o apetite. Não havia interesse em ajudar. "Não era bom para eles vender menos comida. Acho ótimo que se consiga conter as empresas ou tentar pressioná-las para moderar o que fazem. Mas, enquanto isso, até que a população aprenda a consumir alimentos saudáveis, precisamos encontrar uma maneira de ajudá-la", afirmou Burant.
Outros, como Kevin Volpp, da Universidade da Pensilvânia, temem o incentivo ao uso generalizado de medicamentos contra a obesidade. Ele se preocupa com a ideia de que dezenas de milhões de americanos passem a injetar semanalmente remédios para controlar o apetite: "Não há dinheiro suficiente no sistema para financiar, de imediato, medicamentos para tanta gente." Prefere reservar as drogas para adultos com doenças mais graves relacionadas à obesidade.
Volp diz que, em vez de distribuir medicamentos para quase todos que se qualificam, o país precisa considerar outras soluções, como restrições à comercialização e impostos sobre bebidas açucaradas. Ele também gostaria que os planos de saúde ajudassem a subsidiar a compra de alimentos saudáveis para quem não tem condições financeiras e sofre de alguma doença crônica relacionada à dieta, como o diabetes.
De acordo com Volpp, 11 estados receberam permissão para testar programas pilotos desse tipo usando os recursos estaduais do Medicaid, programa estadual-federal de assistência à saúde. "Essas são peças de um quebra-cabeça. Precisamos experimentar tudo que possa contribuir para melhorar a saúde da população, considerando o aumento da obesidade de 12 para 40% nas últimas décadas."
Mas não está claro como –ou mesmo se– isso deve ser feito. Para Peter Lurie, presidente do Centro para a Ciência no Interesse Público, a situação é tão grave que exige tentar todas as abordagens ao mesmo tempo. Sua organização acredita firmemente que o ambiente alimentar é um dos principais fatores por trás das taxas elevadas de obesidade e defende mudanças nesse cenário.
"Sou um tipo de cético em relação aos medicamentos. Mas quando a indústria farmacêutica apresenta dados sólidos que impactam resultados significativos, é irresponsável ignorá-los", diz Lurie.
Robert Califf, cardiologista que foi comissário da Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, sigla em inglês) durante a presidência de Joe Biden, compartilha dessa opinião. Antes de ingressar na agência, em 2016, Califf liderava um centro de ensaios clínicos da Universidade Duke financiado por empresas farmacêuticas e pelo governo federal.
"Embora eu apoie completamente a ideia de ajudar os norte-americanos a adotar uma dieta melhor, esses medicamentos são extremamente eficazes para pessoas com obesidade. Não só para a perda de peso, mas também para prevenir mortes por doenças cardíacas. Enquanto isso, precisamos regulamentar a publicidade. Devemos reformar gradualmente o sistema agrícola e subsidiar alimentos mais saudáveis. Você pode se comportar como um velho cínico e dizer que isso é impossível, ou pode ser otimista", declara o médico.