"Fulano é muito 'afetado'". Fui pesquisar no dicionário o significado do vocábulo: adjetivo, "1. sem naturalidade, amaneirado, presunçoso, empolado". Me considero uma pessoa divertida, porém ranzinza em alguns (muitos) aspectos do trato social. Talvez por isso, julgo boa parte das pessoas do meu convívio como "afetadas".
Tem afetado de todo tipo: mulheres, homens, gays, héteros, cachorros —o Nilo, meu vira-lata, odeia ração que não seja orgânica. Há, contudo, ecossistemas onde essa característica aflora de modo espalhafatoso: o show business, uma espécie de egrégora da afetação humana. Também sou artista, mas, por me identificar com um espírito mais austero, a convivência com a "classe" se torna um pouco sofrida.
Recentemente, fui a uma festa com um amigo, também ator. Ele foi convidado por uma promoter "badaladérrima" do Rio que comanda listas vips importantíssimas da noite carioca. Chegamos na entrada do evento: "Amooooorrrr." "Amoooorrrr." "Você veiooooo." "Viiiiiim, te disse, bobo!!!" "Amoooo." "Óbviooooo." "Tá bombandooooo." "Tô vendooooo." "Peraí, que vou falar ali com Preta que chegou." "Claro!" "Ai, ontem fui na casa da Cissa, aquela doida sempre me chamando pro Roda, eu enrolando ela, hahahahhahaha." "Amoooo. Ó, essa é minha amiga, Miranda!" "Oi amooor, prazeeeer, tudo bem?"
Momento de tensão. Eu precisava ser rápida no gatilho. Deveria vestir minha "skin" afetada e embarcar na performance coletiva? "Não, Miranda, seja apenas você, seja autêntica, fale como você falaria com... Sei lá, com seu médico" —gritava meu superego. "Ai, para de ser chata, faz parte do jogo, tem que performar um pouco sim, vai que ele te descola um vip pra Sapucaí no ano que vem, que maravilha seria" —reivindicava minha mente.
Enquanto rolava a reunião de condomínio da minha psique, me agarrei ao caminho mais razoável, e respondi como responderia a um vizinho no elevador: "Oi, tudo bem, e você? Obrigada pelo convite!"
A promoter badaladérrima replicou, sem muito afeto. Na verdade, bem mais fria do que eu poderia imaginar. Rapidamente, o centro de interesse da conversa migrou para algum famoso muito mais importante, também presente na festa babadeira. O bate-papo espetaculoso terminou, entramos na festa.
Me questionei se eu não estaria sendo intransigente. Inteligência emocional também é adequar o discurso à linguagem do meio, do interlocutor. Talvez fosse necessário que, em determinados contextos, eu exercitasse o músculo da afetação. Confesso que me esforço, mas considero esse fenômeno um sintoma de insegurança de seus respectivos praticantes –para desventura da minha vida social flopada.
Percebo que o vernáculo da afetação é também utilizado em relações transacionais. Naquelas em que você precisa ser agradável, bajulador, pois algo está em jogo: algum cargo, favor ou benefício. Aquela casa de ano novo em Angra da amiga da amiga (que você não suporta), o colega de trabalho mala que é primo do CEO (e que pode te conseguir uma promoção), a produtora de elenco super grosseira (que pode te colocar naquela série nova com o Selton Mello).
No fim da festa, meu superego continuava a me repreender: "Droga, fui muito séria, muito rígida, poderia ter sido mais "dada", mais "pra fora". Uns 27% extras de afetação teriam me ajudado a abrir algumas portas ou janelas às quais meu senso moral me privou. Aos 32 anos, penso que a falta de afetação me fez perder amizades nada sinceras, porém boas festas em Noronha.