Há poucos meses, em 20 de agosto de 2024, foi publicado o acórdão dos Embargos de Declaração nos Recursos Extraordinários nºs 949.297/CE (Tema 881) e 955.227/BA (Tema 885), ambos com repercussão geral reconhecida, julgados pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Nessa decisão, o STF reconheceu a possibilidade de afastar a aplicação das multas tributárias nos casos de violação da coisa julgada.
A publicação trouxe esclarecimentos importantes que complementaram o julgamento realizado em abril de 2024.
Para contextualizar, em fevereiro de 2023, o STF já havia decidido pela possibilidade de cessar os efeitos futuros da coisa julgada relacionados a obrigações tributárias sucessivas. Isso se aplica quando a decisão final transitada em julgado é contrária a um posicionamento posterior e vinculante do STF. Para esses casos, a Corte determinou que a irretroatividade e as regras de anterioridade anual e nonagesimal devem ser observadas. A decisão do STF, nesses casos, é tratada como uma "nova norma", sendo que a data de publicação da ata de julgamento funciona como o início da sua vigência.
O exemplo em debate envolvia a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), declarada constitucional em 2007. A discussão girava em torno de contribuintes que possuíam decisões transitadas em julgado, afastando o recolhimento da CSLL antes dessa decisão do STF. Em fevereiro de 2023, foram apresentados Embargos de Declaração, questionando principalmente a modulação dos efeitos da decisão.
Em abril de 2024, o STF julgou esses embargos e negou o pedido de modulação dos efeitos. No entanto, a Corte afastou as multas moratórias e punitivas aplicáveis cujos fatos geradores ocorreram até 13 de fevereiro de 2023, data da publicação da ata de julgamento do mérito. Por outro lado, foram mantidos os juros de mora e a correção monetária, e ficou vedada a repetição dos valores pagos a título de multa.
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O julgamento deixou claro que, apesar de ser devido o recolhimento do tributo, as multas deveriam ser excluídas por não haver dolo, má-fé ou culpa do contribuinte, que agia amparado por uma decisão judicial favorável.
Durante o julgamento, os ministros também consideraram o posicionamento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que já havia se manifestado favoravelmente aos contribuintes em situações semelhantes. Em decisão proferida no Recurso Especial 1.118.893/MG, o STJ decidiu que um posicionamento posterior do STF não poderia alterar decisões transitadas em julgado. Isso reforçou a ausência de má-fé dos contribuintes, que estavam respaldados por decisões definitivas.
A tese foi do ministro André Mendonça, que foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson Fachin, Dias Toffoli e Nunes Marques. Foram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber (atualmente aposentada), que defendiam a manutenção das multas tributárias, sob o argumento de que a exclusão destas conflitariam com a ordem econômica e violariam a livre concorrência. O ministro Flávio Dino não votou, em respeito ao voto da ministra Rosa Weber.
É importante destacar que o entendimento do STF, embora aplicado à CSLL, poderá, a nosso ver, ser usado em outros casos semelhantes. O ministro Dias Toffoli mencionou que a tese firmada no julgamento tem caráter "geral" e pode ser aplicada em situações além da CSLL. Essa interpretação poderá ser útil para contribuintes que desejam pleitear o afastamento de multas, mantendo apenas a exigência de juros e correção monetária sobre o tributo devido.
Além disso, o fato de ter ficado claro que esse entendimento se aplica a todos os casos é também de suma importância, uma vez que, como o próprio ministro Toffoli apontou em seu voto, existem diversos outros casos de cessação dos efeitos da coisa julgada, como por exemplos os casos de IPI na revenda de produtos importados, créditos de PIS e Cofins sobre produtos recicláveis e inclusão da taxas de cartão de crédito nas bases do PIS e Cofins, dentre outros.