: A relação entre pai e filho: olhando para a série 'Adolescência'

há 1 dia 3

Ao ser convidado pela Folha para escrever um artigo sobre a complexa relação entre pai e filho da série "Adolescência" eu, que já havia assistido, decidi rever os quatro episódios. Terminei tomado de emoção e dor como ou mais intensas do que a primeira vez que assisti.

A relação do menino Jamie com o pai, Eddie, nos levanta muitos alertas que precisamos olhar. É possível que esse texto não os esgote e, nem tenho esta pretensão, mas quero começar este diálogo a partir da perspectiva da paternidade.

Como ponto inicial, é evidente que Eddie é um pai que está presente na vida do menino. Alguns fatos nos mostram isso: a segurança do menino na figura paterna ao solicitar que o pai o acompanhe desde o primeiro momento em que ele é levado pela polícia; os diálogos que ele estabelece com o pai; o desejo que o pai seja o "adulto responsável" enquanto ele está no sistema de detenção; até a ligação para o pai, quando ele decide confessar que foi o autor da morte da colega de escola.

Ao mesmo passo que essa presença, em alguns momentos, se torna uma pressão forte na vida do menino. É muito claro como o menino tenta corresponder a algumas expectativas do pai e se sente frustrado ao não conseguir: como as situações relacionadas ao futebol e ao boxe, por exemplo. Ambos narram detalhadamente a frustração em relação ao mesmo episódio, cada um do seu ponto de vista.

O menino busca uma aprovação do pai nos esportes, que não encontra. O pai, permeado por uma cultura machista, tenta romper com a forma que fora educado pelo próprio pai, para ser mais afetivo com o filho, mas ainda assim cai nas armadilhas que o machismo cria pelo caminho.

No seu entendimento, o ideal era ser um pai que não agride fisicamente, mas a geração do filho precisa dessa relação sem violência e mais do que isso, de uma maior proximidade e afeto.

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O momento em que o pai assiste ao vídeo, é, outra vez, para o menino uma frustração enorme. Ele rompe com a confiança desse pai que, até então, acreditara na sua versão. O que é decepcionar esse pai que ele parece amar tanto? Quantas pressões estabelecemos em nossos filhos que não conseguem demonstrar para nós os seus erros, medos e defeitos? Como temos estabelecido relações de confiança com os nossos filhos?

Com o advento das redes sociais e da internet tão acessíveis, um filho em casa não significa estar protegido. Confiança não significa ausência de vigilância. O pai traz isso ao longo do último episódio. Jamie estava a poucos metros do pai e da mãe, mas a tela do computador fazia com que ele estivesse em vários outros lugares, vulnerável a muitos perigos o tempo todo. E eles não conseguiram ver.

"Eu só queria ser um pai melhor. Será que eu sou?" Essa frase de Eddie nos pega fundo. Há quem diga que a maternidade e a paternidade presentes e ativas são lugares de culpa. Nunca sabemos se o que estamos fazendo é o melhor para nossos filhos. Estabelecer uma relação de diálogo, de segurança, de trocas e, ao mesmo tempo, de limites não é simples. Possivelmente, muitos adultos tenham dificuldade em assistir, pois os episódios descortinam na nossa frente como não temos olhado para os nossos filhos.

Em paralelo, é quando o policial, no segundo episódio, escuta o filho, que ele consegue começar a desvendar alguns pontos chaves do assassinato da menina. Pode ser que Eddie não tenha conseguido escutar o filho durante a vida. Entrar no quarto, escutar, colocar-se em posição de aprendizado do mundo desses meninos e meninas, que se parece tão distantes dos nossos. Podem ser dicas para o exercício de paternidade ativa e presente em maiores esferas (e eu não digo em todas).

"Eu podia ter protegido ele?" Essa resposta Eddie não terá. É possível que ele se pergunte sobre isso a vida toda. Como saber se estamos protegendo nossos filhos? De repente, tudo é insuficiente nesse processo.

Uma paternidade se desenvolve com o crescimento biológico, psicológico e humano de nossos filhos. Os pais são referências para os filhos, mas os filhos são a grande escola para os pais: nesta relação ninguém está pronto. Tudo vai se moldando pelo caminho. A linha entre acertar e errar é tênue. A chamada telefônica no furgão, enquanto voltam para casa no dia do seu aniversário mostra para Eddie que houve acertos neste processo.

Sobre a paternidade, eu que, mesmo sendo um especialista no tema, tenho tantas dúvidas, possuo apenas uma certeza: é caminhando que se faz o caminho. Olhemos, escutemos e aprendamos com os nossos meninos.

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