: A reforma que não veio (ainda)

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Nas vésperas do feriado, o ministro Alexandre Silveira surpreendeu o setor elétrico ao apresentar a tão esperada proposta de reforma.

O momento atual e o tempo dos feriados me levaram à estante, de onde resgatei um livro escrito por Lindolfo Paixão. Em suas memórias sobre o projeto RE-SEB, ele relata sua experiência na tentativa de criar uma "nova ordem institucional para o setor elétrico brasileiro".

Era um plano ambicioso, inserido na onda de reestruturações das indústrias de rede dos anos 1990. Propunha a desverticalização das atividades (separação de geração, transmissão e distribuição de eletricidade), contratos entre segmentos antes integrados, privatizações e a criação de uma agência reguladora independente. Um de seus pilares era a abertura do mercado, o direito de escolha do fornecedor, como vetor de competição e ganhos de eficiência.

Mas o mundo real frustrou as expectativas. Os investimentos atrasaram, principalmente em geração, e o país chegou despreparado ao racionamento de 2001 a 2002. Problemas de governança explicam parte da falta de preparo. Apesar da boa gestão da crise, os efeitos políticos foram severos e o avanço da reforma foi interrompido.

Acompanhei o RE-SEB dos bancos da FGV. Em 2003, pude atuar mais diretamente na transição política. A proposta liderada pela ministra Dilma Rousseff gerou o novo modelo para o setor elétrico, com base na criação de dois ambientes, o livre e o regulado, que garantiria a contratação para o atendimento ao mercado das distribuidoras. Esses contratos eram alocados por meio dos leilões competitivos para expansão da geração, que se tornaram referência internacional. A reforma veio na forma da medida provisória 144/2003, que foi acompanhada de nota técnica para explicar seus fundamentos. O intenso processo de diálogo permitiu sua conversão na Lei 10.848/2004.

Os leilões viabilizaram o financiamento de longo prazo, essencial em um país com alto custo de capital. Mas, com o tempo, políticas distributivas e pressões fiscais comprometeram a competitividade e a affordability. A abertura evoluiu lentamente e ainda com poucas condições de gerar contratos com fidúcia e capazes de garantir acesso a financiamento. Em 2012, a MP 579 antecipou a renovação de concessões sem atacar os determinantes estruturais dos custos. A tarifa caiu no curto prazo, mas a conta voltou, mais alta, em 2015.

Outras tentativas de reforma não prosperaram. A mais conhecida, a CP 33/2017, deu origem ao PL 414. Nunca foi aprovado. De novo, a abertura se fez presente como moto da proposta. Que hoje se revela defasada frente ao avanço das renováveis e aos novos riscos contratuais.

Na semana passada, o ministro Alexandre Silveira cumpriu a promessa de mostrar a nova proposta de reforma. Ela parte do reconhecimento de que o ambiente político é hostil a redesenhos institucionais amplos, como alertara o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) em evento recente. A arquitetura vigente segue presa a um modelo centralizado, enquanto a solar, eólica e a geração distribuída se multiplicam. Suas consequências já batem à porta da Faria Lima sob o nome de curtailment (cortes forçados de geração pelo Operador Nacional do Sistema).

A proposta atual foca em três eixos: abertura do mercado como vetor de competição; justiça tarifária, através da ampliação e revisão da tarifa social; e busca de equilíbrio para o setor, por meio da revisão de encargos distorcidos, que perpetuam subsídios cruzados e criam incentivos perversos.

A forma como a proposta foi apresentada revela os dilemas do presente. A descentralização da geração fragmenta as decisões, dificulta a construção de consensos e torna improvável uma reforma sistêmica. Mas o imobilismo cobra seu preço.

Sem enfrentar os nós institucionais que travam a inovação e comprometem a previsibilidade, o setor seguirá entre distorções e improvisos. A abertura, sozinha, é insuficiente. Mas pode ser a entrada para um novo ciclo de reforma —se houver coragem para avançar e capacidade de aprovar

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