Saneamento privado cresce 466% e pode chegar a metade do Brasil em 2025

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O mercado privado de água e tratamento de esgoto vive um boom no Brasil. Desde 2020, quando o marco do saneamento foi aprovado, o país viu a presença de operadores sem controle estatal saltar de 5% para 30% dos municípios, um crescimento de 466%.

Com as concessões municipais e regionais feitas em 2024, 1.648 cidades brasileiras passaram a ser atendidas por grupos privados, segundo levantamento da Abcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).

A expectativa é que o próximo ano seja ainda mais aquecido. Grandes leilões de saneamento estão prestes a sair do papel em estados como Pernambuco, Pará e Rondônia, fazendo o setor privado considerar a possibilidade de atender metade do mercado brasileiro já no fim de 2025.

Sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), o marco legal do saneamento básico estabeleceu metas para a universalização dos serviços de água e esgoto e buscou atrair investimento privado para o setor.

Na prática, a medida alterou a forma como os contratos de concessão eram feitos, tornando obrigatória a abertura de licitação prévia —o que abriu maior espaço para a participação de novas empresas.

Para Christianne Dias, diretora executiva da Abcon, 2024 consolidou essa abertura do setor para grupos privados.

"Ano que vem vai ser até maior em número de leilões. Há 34 projetos sendo modelados no BNDES, mas a expectativa é de que 24 saiam ainda em 2025, com uma atração de investimento de R$ 74,6 bilhões", afirma.

Segundo ela, a evolução rápida do mercado privado de saneamento fez a entidade recalcular suas próprias metas. "No passado, tínhamos uma perspectiva de subir para 40% a participação no setor de saneamento", diz. "Estamos remanejando essa expectativa. Achamos que vamos alcançar 50% do mercado no final do ano que vem."

Radamés Casseb, CEO da Aegea, maior companhia privada de saneamento do Brasil, resume 2024 como "um ano de muito trabalho". Ao mesmo tempo em que consolidava dois grandes ativos na carteira —a Corsan, no Rio Grande do Sul, onde atende 6 milhões de pessoas, e o Rio de Janeiro, com 10 milhões— o grupo continuou participando de novas concessões.

A Aegea disputou todos os grandes leilões deste ano: Sergipe, Piauí e de PPPs da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná). Saiu vencedora nos dois últimos. A empresa era apontada como grande competidora na privatização da Sabesp, mas acabou não fazendo proposta.

Radamés diz que a espinha dorsal da estratégia para 2025 será fortalecer e adensar o que chama de clusters, que são os aglomerados onde a companhia atua. Segundo ele, a Aegea estuda todos os editais, até mesmo para "entender a cabeça do modelador", mas o objetivo clássico do setor é ganhar escala com a atuação, e isso significa fortalecer os clusters.

"Se estamos na Corsan, Porto Alegre é um alvo estratégico para a companhia", diz o CEO.

O segundo ponto da estratégia, segundo Radamés, são projetos que têm densidade por si só em regiões onde a companhia não tem presença. Nessa lista entram grandes cidades, como Belém e região metropolitana, e alguns municípios da região amazônica, que tem um nível de densidade populacional alta e desafios sobre os quais a companhia já conhece. A concessão de Pernambuco também está no radar, diz.

Dos grandes leilões de 2024, o único que a Aegea não levou foi o de Sergipe, vencido pela Iguá, que também ganhou uma PPP da Sanepar.

"Fechamos o ano num tom bastante positivo e com o desafio da integração de Sergipe e da Sanepar. Uma vez que essas operações estiverem no trilho, estaremos com mais abertura para olhar outras coisas", diz Roberto Barbuti, CEO da Iguá.

O executivo destaca o desafio que será a operação em Sergipe, que foi considerada a principal concessão do ano. Segundo ele, a Iguá vai começar "do zero" sua atuação no estado, sem nenhum funcionário. "Vamos montar uma equipe de cerca de mil pessoas. Não se faz isso da noite para o dia."

Para 2025, Barbuti diz que a prioridade será consolidar os dois novos ativos. Segundo ele, a Iguá já havia definido uma estratégia de focar projetos de maior porte. Operações com menos de 200 mil habitantes, por exemplo, não interessam tanto à companhia, a não ser que tenham sinergia com o portfólio atual.

"Neste momento, temos uma lição de casa a fazer. Quanto mais rápido e com mais qualidade fizermos, mais rápido podemos explorar essas [novas] oportunidades", afirma o CEO.

Apesar do mercado aquecido, a universalização dos serviços está longe de ser uma realidade. O marco do saneamento determinou que 99% da população seja atendida com abastecimento de água e 90% com esgotamento sanitário até 2033.

No entanto, estudo publicado em julho deste ano mostra que o cenário brasileiro ainda é "precário", com cerca de 32 milhões de brasileiros sem acesso a água potável e mais de 90 milhões sem coleta de esgoto.

Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, diz que os grandes leilões previstos para 2025 são importantes pois atingem regiões com histórico de investimento muito baixo.

"É um absurdo Porto Velho ter só 41% da população com acesso à água. Então, se estados como Pará, Rondônia, Acre, entre outros com indicadores muito ruins, se movimentarem para atrair investimento em saneamento básico, como o Amapá fez lá atrás, temos uma perspectiva futura bem melhor", afirma.

Segundo ela, o ritmo de investimento por habitante cresceu significativamente após o marco do saneamento. Em 2020, a média anual era de R$ 72 por habitante, valor que subiu para R$ 82 no ano seguinte e R$ 111 em 2022 —último ano com informações disponíveis.

Folha Mercado

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Já Marcos Montenegro, coordenador do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), é crítico em relação ao avanço de privatizações.

Além de ver um risco de sucateamento das estruturas de saneamento ao final dos contratos, ele questiona o modelo de pagamento de outorgas nos leilões.

"O convencimento de governadores e prefeitos para fazerem concessão tem uma palavra-chave, que não é água, não é esgoto, não é universalização. Chama-se outorga", diz.

Em leilões de serviços de água e esgoto, é comum que os operadores privados tenham que pagar pelo direito de uso dos recursos hídricos e pela exploração econômica da operação. Essas licenças são chamadas de outorgas e, muitas vezes, são usadas como critério para definir o vencedor dos certames: quem oferecer mais leva o contrato.

Segundo Marcos, há casos em que as outorgas chegam a dois terços do valor do investimento previsto nos contratos.

"É um escândalo", diz. "Esse dinheiro faz falta numa redução da tarifa, porque é possível licitar pelo critério de maior abatimento da tarifa ou de quem dá mais pelo contrato. Quem dá mais pelo contrato significa que a empresa pôs [as outorgas] dentro dos seus custos."

Luana Pretto, do Trata Brasil, destaca que 2025 será um ano chave para o futuro da universalização do saneamento, já que marca o início de novos mandatos municipais.

"Os prefeitos que vão assumir têm uma responsabilidade gigantesca, porque temos até 2033 [para universalizar]. Ou seja, se nesses próximos quatro anos eles não fizerem a parte deles, vão condenar o atingimento da meta", diz. "Depois não dá mais tempo. Se o próximo mandato decidir fazer algo, já não consegue."

Para a especialista, a prioridade para 2025 deve ser melhorar a regulação infranacional, o que ajudaria a a atrair investimentos.

Avaliação semelhante é feita pelo CEO da Aegea. Segundo Radamés, o grande desafio do saneamento é amadurecer o ecossistema financeiro, que será "o grande herói da universalização".

"[É preciso] Reduzir esse spread de risco que atribuem ao setor por ser jovem, e possibilitar que novas concessões e o avanço da cobertura —que depende de um arranjo de capital intensivo— estejam mais eficientes", diz.


PRÓXIMOS GRANDES LEILÕES DE SANEAMENTO

Pernambuco

  • Concessão parcial de saneamento
  • Investimento total: R$ 24,8 bilhões
  • Previsão: 2025 (1º tri)

Pará

  • Concessão de saneamento da região metropolitana de Belém
  • Investimento total: R$ 18,5 bilhões
  • Previsão: 2025 (1º tri)

Rondônia

  • Concessão de saneamento
  • Investimento total: R$ 5,8 bilhões
  • Previsão: 2025 (2º tri)

Paraíba

  • PPP de esgoto
  • Investimento total: R$ 5,7 bilhões
  • Previsão: 2025 (4º tri)

Goiás

  • PPP de esgoto
  • Investimento total: R$ 6,6 bilhões
  • Previsão: 2026 (1º tri)

Rio Grande do Norte

  • PPP de esgoto
  • Investimento total: R$ 3,2 bilhões
  • Previsão: 2026 (2º tri)

Maranhão

  • Concessão de saneamento ou PPP
  • Investimento total: R$ 18,7 bilhões
  • Previsão: 2026 (4º tri)
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