O governo Lula anunciou o pacote de ajuste fiscal sem ter anunciado. Após três dias de sangria no mercado financeiro com um novo movimento de disparada do dólar —a moeda norte-americana chegou a atingir a cotação de R$ 6,15 na máxima do dia nesta sexta-feira (29)—, não se conhecem todos os detalhes do conteúdo legal das medidas que foram anunciadas.
A repercussão negativa com a mistura de corte de gastos e tributação de super-ricos que já era esperada pelos integrantes da equipe econômica também esfriou o anúncio de outras medidas de aumento das receitas que o governo contava enviar ao Congresso Nacional até o final do ano. Não há clima.
Faltaram explicações e sobraram frases marqueteiras na entrevista coletiva de ministros e integrantes do segundo escalão do governo, transmitida ao vivo na quinta-feira (28) e convocada justamente para detalhar o pacote.
Na mesa dos entrevistados, nenhum representante da Receita Federal para retirar todas as dúvidas do imposto mínimo de taxação das rendas de contribuintes milionários a ser criado para bancar a elevação para R$ 5.000 da isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física.
As duas medidas haviam sido anunciadas com pompa política e circunstância pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) na noite anterior em cadeia nacional de rádio.
São muitos os pontos soltos do pacote. A piora do mercado está também relacionada a esse fato. Sem os detalhes, os especialistas em contas públicas não conseguem saber se os números projetados de economia de R$ 327 bilhões são críveis ou obra para inglês ver.
Enquanto o mercado financeiro derretia à espera dos textos da PEC e dos projetos de lei ao longo do dia, a informação de que a minuta do projeto de tributação previa a tributação de 7,5% dos dividendos remetidos ao exterior por empresas ajudou a piorar o quadro.
A primeira leitura do mercado foi a de que se tratava de uma espécie de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre saída de capital.
A ordem no Ministério da Fazenda foi não comentar. Sem negar oficialmente, o assunto ficou no ar ao longo do dia, alimentando a histeria.
Se a medida está no pacote, deveria ter sido informada na entrevista e incluída no material de divulgação. Se não está, qual a razão para não descartar oficialmente?
O mais provável é que tenha sido retirada de última hora para não aumentar o ruído provocado pela mistura do pacote de corte de gastos com o novo tributo, que desagrada ao pessoal da Faria Lima, a empresários do setor produtivo, a advogados, ao agro...
A confusão é geral. Na falta de coordenação de expectativas pelo lado do governo, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), numa operação coordenada, colocaram o projeto na geladeira —pelo menos por enquanto. A ajuda teve o dedo da equipe econômica, que não queria o anúncio conjunto.
O quadro de barata-voa ofuscou o que o pacote tem de avanços, como a medida que restringe o ganho real do salário mínimo. Lula ter recuado na política de valorização do mínimo foi um passo importante.
A maior parte da economia de despesas do pacote, após 2027, refletirá essa medida. Em 2030, o impacto dela foi estimado em R$ 35 bilhões —valor maior do que os R$ 30,6 bilhões esperados com todo o pacote em 2025.
Não é um pacote fantástico, mas está longe de ser uma desgraça.